
Os acordos com vista à prestação de cuidados vitalícios, p. 189-233
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 213
que existe união de contratos
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. A nossa jurisprudência conta já com vários
acórdãos em que são trazidos à discussão contratos com vista à prestação
de cuidados vitalícios que, não sendo diretamente subsumíveis nos regimes
de uma das figuras tipificadas pelo nosso legislador no CC, são qualificados
pelos magistrados como mistos
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ou atípicos
79
. A pergunta que sucede é se
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Explica-nos ALMEIDA COSTA, a propósito da classificação dos contratos, que são típicos os
que a lei prevê e regula, de modo expresso, atípicos os que as partes criam fora dos moldes daqueles e mistos
quando se reúnam num único contrato as características de dois ou mais contratos tipificados (Costa, 2001:
217). Esta última realidade não se confunde com a união ou coligação de contratos, porque, à luz dos
ensinamentos do mesmo autor, [n]este caso, trata-se de dois ou mais contratos entre si ligados de alguma
maneira, todavia sem prejuízo da individualidade própria que subsiste (Costa, 2001: 342). Para maiores de-
senvolvimentos a este respeito, vejam-se ALMEIDA COSTA in Costa, M. (2001). Direito das Obrigações
(9.ª ed.). Coimbra: Almedina, pp. 216-219 e 337-343; ANTUNES VARELA in Varela, J. (2000). Das
Obrigações em Geral (10.ª ed., Vol. I). Coimbra: Almedina, pp. 272-300 e MENEZES LEITÃO in Leitão,
L. (2016). Direito das Obrigações : Introdução. Da Constituição das Obrigações (13ª ed., Vol. I). Coimbra:
Almedina, pp. 185-191.
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O ac. 1588/05.5TBVNO.C1 de 27-02-2007 do TRC denotou que, da factualidade apurada, re-
sulta que o contrato celebrado com vista ao fornecimento de alojamento e alimentação, mas, também,
assistência médica, enfermagem, acompanhamento e vigilância assume a natureza de um contrato misto
de prestação genérica de serviço e de albergaria ou hospedagem, que colhe a sua regulamentação essencial no
contrato de mandato.
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O ac. 2/14.0T8PVZ.P1 de 10-03-2015 do TRP, apresentando um quadro fáctico cuja riqueza
dos contornos extravasa o âmbito da análise que pretendemos desenvolver, descreve um exemplo
bem claro de celebração de um contrato com vista à prestação de cuidados vitalícios. Temos um “Con-
trato de admissão e assistência” em “Lar de Internamento”, em que de um dos lados da relação contratual
está uma senhora de 65 anos de idade que procede à entrega instantânea de cinquenta mil euros (as-
somam-se os juros que tal quantia gerou, no montante de mil e trezentos euros), seguindo-se, depois
de já instalada no lar à mais de um mês, a doação de um apartamento e a entrega periódica mensal
de 80% da sua pensão. Do outro lado da relação encontramos uma “C”, que à luz do aresto tem o
estatuto de instituição particular de solidariedade social (IPSS), que se compromete a instalar a utente em
quarto duplo, a ser ocupado apenas por si, com a ressalva de que, em situação de acamada poderia
ser transferida para enfermaria, a prestar-lhe alimentação, quer enquanto sã, quer enquanto doente,
a prestar-lhe assistência médica e medicamentosa, diretamente ou através do SNS, proporcionar-
-lhe assistência religiosa católica, através do seu Capelão, e a realizar o seu funeral, assumindo as
despesas inerentes ao mesmo. Vemos aqui um grande cuidado com a determinação do conteúdo da
prestação de cuidados, algo que não verificamos em grande parte das cláusulas modais transcritas
anteriormente. Para a qualificação do contrato celebrado, a designação que as partes lhe atribuíram
não se reconduz à de nenhuma figura típica do CC. O tribunal entendeu que, do contrato celebrado,
sobressaiam elementos do contrato de prestação de serviços e de um contrato de constituição de direito de
habitação. Considerou, ainda, tratar-se de uma convenção atípica.
No que concerne ao ac. 889/04.4TBOVR de 10-11-2011 do STJ, sem prescindir da necessária leitura
do mesmo para melhor compreensão do circunstancialismo que está na base da celebração deste
convénio, decalcar aqui o excerto do acordo (escrito particular), que consta da matéria de facto e
que permite observar o que foi estabelecido pelas partes: «1º Os outorgantes Jorge e esposa obrigam-se
a conceder habitação e alojamento em sua companhia à outorgante A., enquanto viva, bem como a prestar-
lhe toda a assistência e cuidados que aquela careça». 2º «Para melhor alojar e acomodar a mãe e sogra,
os outorgantes B. e esposa permitem aquela, desde já concedendo a respectiva autorização, a realização de
obras ou benfeitorias no seu prédio.... Porém tais obras ou melhoramentos cam a pertencer ao prédio em
que se integram, sem que a outorgante A. possa alegar direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer
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