Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 75
ÓNUS DA PROVA E STANDARDS DE PROVA:
DUAS REMINISCÊNCIAS DO PASSADO
1
BURDEN OF THE PROOF AND STANDARDS
OF PROOF: TWO RESTS FROM THE PAST
Jordi Nieva-Fenoll
2
(trad. de Fernando Silva Pereira)
3
DOI: https://doi.org/10.34628/x2yj-4m48
Resumo: O ónus da prova e os standards de prova são dois institutos que têm
origem no antigo sistema de valoração legal ou taxada da prova, no qual tinham
o seu pleno significado. No entanto, no sistema de livre apreciação, o instituto do
ónus da prova deixa ter qualquer utilidade, e os standards de prova convertem-se
em simples imitações das antigas categorias “probatio plena” e “probatio semiplena
que se revelam impossíveis de objetivar. No presente artigo detalham-se e
justificam-se extensamente as anteriores conclusões.
Palavras-chave: Ónus da prova.
Abstract: The burden of proof and the standards of proof are two institutions
that come from the old system of legal proof, in wich they made sens. However,
if evidence is free evaluated, the burden of proo fis no longer useful and the
standards of proof become mere imitations of the old categories “probatio plena
and “semiplena probatio” that are impossible to objectify. In this paper these
conclusions are duly detaleid and extensively justified.
Keywords: Burden of persuation; Burden of production; Evaluation; Legal proof.
1
Tradução do texto do Prof. Jordi Nieva-Fenoll, da Universidade de Barcelona, publicado na
Revista InDret 3.2020, pp. 406-437, por Fernando Silva Pereira.
2
Professor na Universidade de Barcelona.
3
Professor Auxiliar Convidado da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 75 08/11/2022 11:00:46
Jordi Nieva-Fenoll
76 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito e tipos de ónus da prova. 3.
Conceito e tipos de standards da prova. 4. As razões do sistema da prova
legal. 5. As razões do sistema de livre apreciação da prova. Bibliografia.
1. Introdução.
O destino da prova apresentada num processo é ser valorada racionalmen-
te. Não se podem estabelecer atalhos neste caminho, ainda que com frequência
essa atividade de valoração seja tão difícil de executar que, certamente, o jurista
desejaria dispor de algum tipo de ferramenta, quase uma pedra filosofal, para
conhecer a realidade dos factos. Porque valorar a prova consiste justamente
nisso: aferir da realidade
4
.
A dificuldade não é nova. Historicamente tentaram-se oferecer ajudas aos
juízes. As normas arcaicas da prova legal do código de Hammurabi
5
dão bom
testemunho disso, e todos os exemplos estabelecidos no Corpus Iuris Civilis
6
– posteriormente replicadas nas leis medievais
7
– vão na mesma linha. Mas
4
Melhor explicado in extenso em NIEVA FENOLL, La valoración de la prueba, Madrid 2010.
5
Vid. as traduções originais, que aqui adaptámos parcialmente, em LARA PEINADO, Federi-
co, Código de Hammurabi, Madrid 1997, pág. 6. e segs:
§7 Se alguém manifesta ter adquirido ou recebido em depósito prata, ouro, escravo ou escrava, boi, ovelha ou
burro ou qualquer outra coisa, sem testemunhas no contrato, será considerado culpado de roubo e condenado
à morte.
§10 Se o comprador não se apresentou ao vendedor que lhe vendeu a coisa, nem às testemunhas em
cuja presença se efetuou a compra, e o dono da coisa perdida apresenta testemunhas que atestam (a
preexistência da) coisa (e a posse) do direito de propriedade do alegado proprietário, o comprador foi
o ladrão: será castigado com a morte. O proprietário da coisa perdida recuperará a sua propriedade.
§11 Se o proprietário da coisa perdida não apresenta testemunhas que prestem depoimento so-
bre o dito objeto, é um impostor, e posto que denunciou falsamente, será castigado com a morte.
§13 Se as testemunhas do anterior denunciante não forem localizáveis, os juízes fixam-lhe um prazo
de seis meses. Se no fim do prazo não se apresentarem as testemunhas, será considerado um impostor
e sofrerá na sua totalidade a pena deste processo.
§150: Se o marido doou à sua esposa um campo, uma horta ou uma casa, e declarou por escrito, depois da morte
do marido os seus lhos não poderão reclamar nada; a mãe deixará esses bens em herança ao lho que prera,
mas não a um estranho.
§182 Se um pai tem uma lha sacerdotisa de Marduk da Babilonia e não a dotou através de um docu-
mento selado, aquando da morte do pai, irá corresponder-lhe um terço da herança, que poderá deixar
em sucessão a quem quiser.
§183: Se um pai tem uma lha com uma concubina, que haja dotado, concedido um marido e outorgado
o respetivo documento selado, aquando da morte do pai esta não herdará nenhum bem.
6
Por exemplo, Codex, Libro IV, título XX, nº 9, §1: Simili modo sauximus, ut unius testimo-
nium nemo iudicium in quacunque causa facile patiatur admitti. Et nunc manifeste sancimus, ut
unius omnino testis responsio non audiatur, etiamsi praeclarae curiae honore praefulgeat.
7
Fuero Juzgo, Lib. II, tít. II, VI. En los pleytos que el iues oye, cada una de las partes debe dar
sus pesquisas e sus pruevas, y el iuez debe catar qual prueva meior. E si por las pruevas non pudiere
saber la verdad, estonze debe mandar el iues á aquel de quien se querellavan, que se salve por su
Jordi Nieva-Fenoll.indd 76 08/11/2022 11:00:46
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 77
justamente na Idade Média surgem dois institutos, não tanto com o objetivo de
facilitar a vida aos juízes a este respeito, mas antes para estabelecer limites ao
seu trabalho
8
, na linha iniciada pelo secundum allegata et probata
9
que AZZONE
e ACCURSIO moldaram
10
. Assim surgiram, como veremos de seguida, tanto o
onus probandi como as medidas de prova, o antecedente dos atuais standards de
prova e do Beweismaß alemão.
Não obstante, seja qual for a origem dos institutos, estes vão mudando
com o tempo, e podem acabar por se transformar em algo irreconhecível para
os seus autores. E foi justamente isso que aconteceu com os dois institutos em
causa. Provavelmente se referíssemos a um jurista medieval algo como “além
de toda a dúvida razoável”, ou então “ónus objetivo da prova”, e lhe dissésse-
mos que, juntamente com o ónus subjetivo, é um instrumento processual a ser
utilizado somente no final do processo perante uma situação de ausência de
prova – Beweislosigkeit
11
–, não entenderia absolutamente nada.
Mais à frente irei explicar o que acabámos de expor, acompanhando a ex-
posição de um relato ligeiro da história sem nenhum tipo de preconceito histó-
rico. Bem pelo contrário, começaremos a explicação concretizando as definições
sacramiento, que aquella cosa quel demandan, non la ovo, nin la a, ni sabe ende nada, ni lo cree, ni
que non fizo aquello quel dizen. E pues que iurar aquel quel demandó tuerto, peche V. sueldos. Vid.
también Partida III, tít. XVI, Leyes 29 y 32.
8
Melhor explicado em NIEVA FENOLL, “La actuación de oficio del juez nacional europeo”,
Diario La Ley, n. 9000, 14-6-2017, traduzido em italiano em NIEVA FENOLL, “I poteri d’ufficio del
giudice nazionale europeo”, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 4, 2019, págs. 1223 e
segs.
9
Vid. NÖRR, K. W., Zur Stellung des Richters im gelehrten Prozeß der Frühzeit: Iudex secun-
dum allegata non secundum conscientiam iudicat, München 1967.
10
AZZONE (o AZO o AZÓN), Brocardica (aurea). sive generalia iuris, Basilea 1567, rúbrica
XX, pág. 237: Iudex debet ex conscientia iudicare, & econtrà.] Secundum allegata iudicare debet.
Cum quaeritur, an iudex debeat iudicare secundum conscientiam suam, in causa civili vel criminali,
distingue: utrum notum sit ei tamquam iudici, id est, ratione officii sui: an ut privato. In primo casu
fertur sentencia secundum conscientiam suam; quae etiam potest dici allegatio. ut ff. de ser. l.2.&ff. Si
fer. vend.1 surreptionem. & de minor. 25. anno.l.minor. Quid miri? nonne sert sententiam, secundum
testificationes & confessiones, quas novit ut iudex? & et ita potest intellegi hoc generale. Si vero novit
ut privatus, non debet ferre sententiam secundum conscientiam suam, sed secundum allegata. & ita
intelligitur contraria Rubrica. ACCURSIUS, e.a., Corporis Iustinianaei Digestum Vetus, seu Pandec-
tarum, Vol. 6, Lyon 1604, pág. 17: “Iudex debet ferre sententiam, secundum allegata et probata, non
secundum conscientiam.”
11
Vid. ROSENBERG, Die Beweislast, Berlin 1923, págs. 35 e 55. LEIPOLD, Dieter, Comentario
al §286 ZPO, em: “STEIN/JONAS, Kommentar zur ZPO, Tübingen 1997”, pág. 525. ROSENBERG /
SCHWAB / GOTTWALD, Zivilprozeßrecht, München 2018, pág. 698. MONTERO AROCA, La prueba
en el proceso civil, Cizur Menor 2005, pág. 112. SERRA DOMÍNGUEZ, Manuel, Comentario al art. 1214,
em: “AAVV (dir. ALBALADEJO), Comentarios al Código Civil y compilaciones forales, Madrid 1991,
pág. 55. NIEVA FENOLL, “Los sistemas de valoración de la prueba y la carga de la prueba: nociones
que precisan revisión”, en La ciencia jurisdiccional: novedad y tradición, Madrid 2016, pág. 271. NIEVA
FENOLL, Derecho procesal II. Proceso civil, Valencia 2019, pág. 201. ESCALER BASCOMPTE, Ramon,
La carga de la prueba, Barcelona 2017, pág. 83.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 77 08/11/2022 11:00:46
Jordi Nieva-Fenoll
78 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
que a doutrina atual oferece sobre ambos os conceitos. De seguida, serão sub-
metidas a comparação histórica e prática, e dos resultados que objetivamente se
obtenham se extrairão conclusões.
2. Conceito e tipos de ónus da prova.
O ónus da prova não tem, de modo algum, uma definição unívoca. Na
realidade, trata-se de uma expressão que condensa diferentes ideias que, ao
contrário do que se pensa, são distintas entre si. De facto, verificaremos mais
adiante que efetivamente nada têm de semelhante.
Na Idade Média desenvolveu-se a noção de onus probandi recolhendo
resquícios do processo romano
12
retirados do seu contexto original
13
. Mas seja
como for, enfatizou-se a ideia de que cada parte tinha que fazer prova daquilo
que alegava. Dito de outra forma, que cada litigante tinha a obrigação de pro-
var o que afirmava para ter uma expectativa de ganhar o processo
14
. Esse foi o
onus probandi e é, por isso, o primeiro conceito de ónus da prova: obrigação de
cada parte trazer provas ao processo em defesa da sua posição. Era, ademais,
uma obrigação muito antiga
15
e realmente bastante lógica, quase intuitiva. Se
se parte da máxima da experiência de que salvo casos excecionais, uma parte
age sempre em seu próprio benefício e nada faz pela contraparte, a prova era,
segundo essa antiga conceção, uma das suas principais armas para obter ganho
de causa no processo.
O conceito é coincidente com a primeira aceção moderna do referido onus
probandi medieval: o chamado ónus subjetivo da prova, também denominado
ónus formal
16
. Supõe precisamente isso, que cada parte deve trazer ao processo
a prova dos factos que lhe são favoráveis
17
, tal como dispõe de modo muito
sintético, por exemplo, o artigo 196 do Código Processual Civil peruano de
1993
18
. A doutrina traçou inclusivamente um mapa dos referidos factos para
orientar os litigantes, estabelecendo que o demandante deve provar os factos
12
KASER / HACKL, Das römische Zivilprozessrecht, München 1996, pág. 493. PRÜTTING,
Hanns, “Carga de la prueba y estándar probatorio: la influencia de Leo Rosenberg y Karl Heinz
Schwab para el desarrollo del moderno Derecho probatorio”, Revista Ius et Praxis, 2010, n. 1, pág. 457.
13
Vid. NÖRR, Knut Wolfgang, Romanisch-kanonisches Prozessrecht, Berlin 2012, págs. 78 e segs.
14
Melhor examinado em NIEVA FENOLL, “La carga de la prueba: una reliquia histórica que
debiera ser abolida”, en NIEVA / FERRER / GIANNINI, Contra la carga de la prueba, Madrid 2019,
págs. 25 e segs.
15
KASER / HACKL, Das römische Zivilprozessrecht, cit., pág. 118.
16
Vid. SUNDELIN, Die Staats-Anwaltschaft in Deutschland, Anklam 1860, pág. 121.
17
WEBER, Adolph Dieterich, Ueber die Verbindlichkeit zur Beweisführung im Civilprozeß,
Halle 1805, págs. 154 e segs.
18
Artigo 196.- Ónus da prova.- Salvo disposição em contrário, o ónus de provar recai sobre
quem afirma os factos que configuram a sua pretensão, ou sobre quem os contradiz alegando novos
factos.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 78 08/11/2022 11:00:46
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 79
constitutivos da sua pretensão, e o demandado os factos impeditivos, extinti-
vos e excludentes da dita pretensão
19
. Sem tanto detalhe, mas com a mesma
ideia de fundo, se falou na Common Law da burden of production, nos EUA
20
, ou
da evidential burden, no Reino Unido
21
, que são simplesmente imitações do ónus
subjetivo, contendo o mesmo conteúdo.
Confirma-se, portanto, que se trata da conceção originária de ónus da pro-
va posterior à Idade Média. A doutrina posterior, consciente da injustiça de-
corrente de uma interpretação restritiva da regra, desenhou diferentes formas
de suavizá-la
22
. Começou BENTHAM
23
com uma antiga ideia medieval
24
que
resgata no seu conhecido livro sobre a matéria, e que estabelece que deve ter
o ónus – sempre subjetivo – da prova a parte à qual seja mais fácil provar um
facto, isto é, aquilo a que a doutrina posteriormente chamou de facilidad proba-
toria
25
ou, em Itália, de vicinanza probatoria
26
. Essa ideia, obviamente, alterava a
original e rígida distribuição do ónus.
Nessa mesma ideia se basearam depois as chamadas inversões do ónus
da prova
27
- que, se bem vistas as coisas, não se trata de inversão alguma -,
e ainda mais adiante essa ideia, carregada de insegurança jurídica, veio a
constituir a chamada carga dinámica de la prueba
28
, que ficou refletida no arti-
19
LEIPOLD, Dieter, Comentario al §286 ZPO, em: “STEIN/JONAS, Kommentar zur ZPO, Tü-
bingen 1997”, pág. 527. Vid. também D’ALESSANDRO, E., “Onere della prova e legge applicabile”,
Giurisprudenza italiana, Nov. 2018, pág. 2546.
20
REDMAYNE, Mike, “Standards of Proof in Civil Litigation”, Modern Law Review 62, n.2,
março 1999, pág. 172.
21
DENNIS, The Law of Evidence, London 2013, pág. 442.
22
Vid. seu estrito – e surpreendente – funcionamento no antigo período em LESSONA, Carlo,
Teoría general de la prueba en Derecho Civil, Parte General, Trad. de Enrique Aguilera de Paz, Madrid
1928, págs. 118 e segs.
23
BENTHAM, Jérémie, Traité des preuves judiciaires, Paris 1823, t. II, Lib. VII, cap. XVI, pág. 163.
24
DE FANO, Martino, Negativa qualiter probanda, em: “AAVV, Tractatus illustrium in utra-
que tum Pontificii, tum Caesarei iuris facultate Iurisconsultorum, De Probationibus”, T. IV, Venecia
1584, pág. 12, n. 3 (“Probandi facilitas transmittit onus probationis. Legitimatio personae standi in iu-
dicio per quem probanda”): “Quarto fallit, quando illud quod negatur, esse quodmodo impossibilis
probationis quo ad ipsum negantem, et facilis probationis quo ad adversarium. exemplum, si teneris
mihi quolibet anno pro anima patris dicere unam missam, nam si allego te non dixisse hoc anno, im-
possibilis mihi esse talis probatio, et quo ad te facilis probatio censetur, merito tibi tale onus incumbit
propter facilitatem. ad hoc induco Bald. in l. cum mulier in sua repeti solu matri.”
25
SERRA DOMÍNGUEZ, Manuel, Comentario al art. 1252 del Código Civil, en: “Comentarios
al Código Civil y compilaciones forales” (dirigidos por Albaladejo), Madrid 1991, tomo XVI, vol. 2,
págs. 66-68.
26
BESSO-MARCHEIS, “La vicinanza della prova”, Revista Eletrônica de Direito Procesual,
v. 16, 2015, págs. 93 e segs. Em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/
view/19962/14303.
27
Sobre el concepto, ORMAZABAL SÁNCHEZ, Discriminación y carga de la prueba en el proceso
civil, Madrid 2011, págs. 62 e segs.
28
PEYRANO, Jorge W (dir. y coautor), Cargas probatorias dinámicas, Buenos aires 2008, em espe-
cial págs. 13 e segs., 19 e segs. e 75 e segs.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 79 08/11/2022 11:00:46
Jordi Nieva-Fenoll
80 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
go 217.7 do Código de Processo Civil espanhol
29
, ou no artigo 167 do Código
Processual Civil colombiano de 2012
30
ou no artigo 214 do Anteprojeto do
Código Processual Civil e Comercial da Nação argentina de 2019
31
. Na reali-
29
Artigo 217. Ónus da prova.
1. Quando, no momento de ditar sentença ou decisão similar, o tribunal considerar certos factos
relevantes para a decisão como duvidosos, terá de indeferir as reivindicações do autor ou do réu re-
convinte, ou as do réu ou do autor reconvindo, conforme o ónus da prova dos factos que permanecem
incertos e que sustentam as pretensões corresponda a um ou a outro.
2. Compete ao autor e ao réu reconvinte o ónus de provar a veracidade dos fatos dos quais, segundo
as normas jurídicas que lhes são aplicáveis, normalmente resulta o efeito jurídico correspondente às
pretensões da ação e da reconvenção.
3. Incumbe ao réu e ao autor reconvinte o ónus de provar os factos que, conforme as normas que lhe
sejam aplicáveis, impeçam, extingam ou ampliam a eficácia jurídica dos fatos a que se refere o inciso
anterior.
4. Nos processos de concorrência desleal e de publicidade ilegal, caberá ao réu o ónus da prova da
exatidão e veracidade das indicações e afirmações feitas e dos elementos materiais expressos na pu-
blicidade, respetivamente.
5. De acordo com a legislação processual, naqueles procedimentos em que as alegações do autor se
baseiam em ações discriminatórias em razão do sexo, caberá ao réu provar a inexistência de discrimi-
nação nas medidas adotadas e a sua proporcionalidade.
Para os efeitos do disposto no parágrafo anterior, o órgão judicial, a requerimento de uma das partes,
poderá recolher, se o considerar útil e pertinente, relatório ou parecer dos órgãos públicos compe-
tentes.
6. As regras constantes dos números anteriores serão sempre aplicáveis, exceto quando uma disposi-
ção legal, com recurso a critérios especiais, vier expressamente distribui o ónus da prova dos factos
relevantes de modo diverso.
7. Para a aplicação do disposto nos parágrafos anteriores, o tribunal deve ter em conta a disponibili-
dade e a facilidade probatória que corresponda a cada uma das partes em litígio.
30
Artigo 167. Ónus da prova. Compete às partes provar o pressuposto de facto das normas que
consagram o efeito jurídico que elas pretendem obter. No entanto, dependendo das particularidades
do caso, o juiz poderá, oficiosamente ou a requerimento da parte, distribuir o ónus no momento em
que decretar a prova, durante a sua produção ou em qualquer momento do processo antes da deci-
são, exigindo a prova de determinado facto à parte que se encontre em situação mais favorável para
fornecer as provas ou os esclarecimentos relativos aos factos controvertidos.
Considerar-se-á que a parte está em melhores condições de o fazer em virtude da sua proximidade
com o material probatório, por ter o objeto da prova em seu poder, por circunstâncias técnicas es-
peciais, por ter intervindo diretamente nos factos que deram origem ao litígio, ou por se encontrar
a contraparte num estado de fragilidade ou incapacidade, entre outras circunstâncias semelhantes.
Quando o juiz adotar esta medida, da qual caberá recurso, concederá à parte correspondente o pra-
zo necessário para fornecer ou solicitar as respetivas provas, as quais ficarão sujeitas às regras do
contraditório previstas neste código. Os factos notórios e as afirmações ou negações genéricas não
exigem prova.
31
Artigo 214.- Ónus da prova. O ónus da prova caberá a quem afirma a existência de um fac-
to controvertido ou de um preceito legal que o juiz ou o tribunal não tenham o dever de conhecer.
Caberá a cada uma das partes o ónus de provar o pressuposto factual das normas respeitantes à sua
pretensão, por impugnação ou exceção.
No entanto, dependendo das particularidades do caso, o juiz pode, oficiosamente ou a requerimento
de uma das partes, distribuir o ónus no momento em que ordena a produção da prova, exigindo a
comprovação de determinado facto à parte que se encontre em situação mais favorável para juntar
Jordi Nieva-Fenoll.indd 80 08/11/2022 11:00:46
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 81
dade, como vieram a reconhecer estas normas, nada mais está em causa do
que a mesmíssima facilidade probatória, designada com um nome quiçá mais
atrativo para alguns observadores. Mas em todo o caso, continuamos a falar do
mesmo: do ónus subjetivo e dos seus matizes. Curioso é, por vezes, o empenho
da doutrina em complicar terminologicamente conceitos que já por si trazem
bastantes problemas. Um último exemplo desta tendência é a chamada, por
alguns autores, tactical burden of the proof
32
, que significa nem mais nem menos
do que, conforme vai avançando o processo e as partes expondo as suas provas,
dependendo da força que possa ter um argumento probatório de uma parte,
a contrária se vê forçada a apresentar um meio de prova mais convincente.
Pura lógica de estratégia probatória de qualquer processo elevada a categoria
doutrinal, sem que tenha a mínima utilidade. Dito de outro modo, seguimos no
âmbito do ónus subjetivo.
Todavia, tudo o acabado de expor aponta já ao seguinte conceito, prova-
velmente o mais obscuro de todos os que afetam – poder-se-ia dizer “afligem”
– o ónus da prova: ónus objetivo, originalmente denominado ónus material
33
ou ónus de investigação
34
, denominação esta última muito indicativa do que
significa
35
. Com o mesmo se designaria não a parte que deve provar um facto,
mas quais os factos que devem ser provados no processo para se poder emitir
uma decisão. O conceito, segundo a conceção original de GLASER
36
, pretendia
eliminar o risco de que um juiz, ao não se poder provar um facto, desse automa-
ticamente como provado o seu contrário. Esse risco seria sofrido pelo litigante
que beneficiaria com o facto. Portanto, o ónus objetivo da prova consistirá em
determinar, não a que litigante é mais fácil provar um facto – esse é o ónus sub-
jetivo -, mas sim a que parte prejudicará a falta da prova de um facto.
prova ou prestar esclarecimentos sobre os factos controvertidos.
Considerar-se-á que a parte está em melhores condições de o fazer em virtude da sua proximidade
com o material probatório, por ter o objeto da prova em seu poder, por circunstâncias técnicas es-
peciais, por ter intervindo diretamente nos factos que deram origem ao litígio, ou por se encontrar a
contraparte num estado de fragilidade ou incapacidade, entre outras circunstâncias semelhantes. À
parte a quem se imponha o ónus será dado prazo suficiente para juntar a prova.
32
GORDON, Thomas F. / WALTON, Douglas, “A formal model of legal proof standards and
burdens”, em EMEREN, F.H. van (Ed.); GARSSEN, B. (Ed.); GODDEN, D. (Ed.); MEUFFELS, B. (Ed.)
; International Society for the Study of Argumentation -ISSA-:7th Conference of the International Society
for the Study of Argumentation 2010. Proceedings: Amsterdam, June 29 to July 2, 2010, Amsterdam: Sic
Sac, 2011, págs. 644 e segs. PRAKKEN, H. / SARTOR, G., “A Logical Analysis of Burdens of Proof”.
en KAPTEIN, H. / PRAKKEN, H. /VERHEIJ, B. (Eds.), Legal Evidence and Proof: Statistics, Stories,
Logic, Farnham 2009, págs. 223 e segs. BEX, F. / WALTON, D., “Burdens and standards of proof for
inference to the best explanation: three case studies”, Law, Probability and Risk 11, 2012, pág. 118.
33
GLASER, Julius, Handbuch des Strafprozesses, vol. I, 1883, pág. 364.
34
Sobre a questão terminológica, vid. ROSENBERG, Die Beweislast, cit. págs. 26-27.
35
ROSENBERG, Die Beweislast, cit. pág. 34.
36
GLASER, Julius, Handbuch des Strafprozesses, vol. I, 1883, pág. 364.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 81 08/11/2022 11:00:46
Jordi Nieva-Fenoll
82 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
Não obstante, é muito importante saber que essa noção – algo estranha e
em boa medida tautológica do ónus subjetivo
37
– era proveniente do processo
penal, e servia sobretudo para explicar o porquê de o acusado, sem ter o ónus
subjetivo da prova e, portanto, sem ter que cumprir com a obrigação de car-
rear meios de prova, podia a final acabar condenado. Seja como for, o conceito
passou para o terreno do processo civil e sofreu uma intensa reelaboração por
parte de ROSENBERG
38
, que é quem, em minha opinião, lhe dá um autêntico
conteúdo, ainda que, levando a lógica das suas ideias até ao limite, acabe por
lhe subtrair o conteúdo, como veremos.
Disse ROSENBERG
39
, falando do ónus subjetivo da prova, que o conceito
inicial tinha evoluído no sentido de superar a conceção originária de onus pro-
bandi no sistema de prova legal. Nesse sistema, como se explicará mais adiante,
os litígios eram decididos em função do facto de cada parte ter ou não juntado
as suas provas, e não em razão da valoração dessas provas. Ou seja, verificava-
-se somente se demandante e demandado haviam juntado as respetivas provas.
E depois, para ver quem ganhava o processo pesava-se ou somava-se a prova
trazida por cada parte em função dos standards plena probatio e semiplena pro-
batio que veremos na secção seguinte, mas nada mais, ou seja, não se apreciava
realmente - isto é, racionalmente - a prova.
Pois bem, ROSENBERG
40
dizia-nos que a partir da introdução da frase
unter Berücksichtigung des gesamten Inhalts der Verhandlungen”
41
no §286 ZPO
42
,
já havia deixado de importar quem juntava a prova, pois independentemente
disso o tribunal valoraria esse facto, ou seja, tomaria em consideração todo o
material aportado. Esse preceito, por certo, foi o que introduziu o sistema de
livre apreciação na Alemanha. Estamos também diante de tenebrosa génese,
nunca explicada por CHIOVENDA
43
– que exponho sem citá-lo – do chamado
pelas doutrinas italiana
44
e espanhola “princípio da aquisição”, que é impor-
37
O ónus subjetivo diz-nos qual a parte a quem é mais fácil provar um facto. Caso não o faça,
essa será a parte prejudicada pela falta de prova do facto, e aqui está o ónus objetivo, mas pressupon-
do uma relevante identidade com o ónus subjetivo, com a principal exceção do arguido no processo
penal, como veremos.
38
ROSENBERG, Die Beweislast, cit. págs. 34 e segs.
39
ROSENBERG, Die Beweislast, cit. págs. 28 e segs.
40
ROSENBERG, Die Beweislast, cit. pág. 30.
41
Tradução: “considerando o conteúdo global das atuações”.
42
§ 286 Freie Beweiswürdigung. (1) Das Gericht hat unter Berücksichtigung des gesamten Inhalts
der Verhandlungen und des Ergebnisses einer etwaigen Beweisaufnahme nach freier Überzeugung
zu entscheiden, ob eine tatsächliche Behauptung für wahr oder für nicht wahr zu erachten sei. In
dem Urteil sind die Gründe anzugeben, die für die richterliche Überzeugung leitend gewesen sind.
(2) An gesetzliche Beweisregeln ist das Gericht nur in den durch dieses Gesetz bezeichneten Fällen
gebunden.
43
CHIOVENDA, Giuseppe, Principi di Diritto Processuale, 3ª ed. Napoli 1923, pág. 748.
44
Vid. TARUFFO, M., “La valutazione delle prove”, en AAVV (dir. TARUFFO), La prova nel
processo civile, Milano 2012, na série CICU / MESSINEO / MENGONI / SCHLESINGER, Trattato di
Jordi Nieva-Fenoll.indd 82 08/11/2022 11:00:47
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 83
tantíssimo na matéria que aqui estamos a analisar. Essa origem não é mais do
que a consequência lógica da introdução do sistema de livre apreciação. Com o
mesmo se deixou para trás o antigo sistema – o da prova legal – e se introduziu
o novo, o de livre apreciação, no qual o onus probandi – o ónus subjetivo – tinha
deixado de ter, como se acaba de evidenciar, sentido algum. Já não importa-
va de modo algum qual o litigante que juntava as provas ao processo. Nesse
momento devia ter sido eliminado pela doutrina o conceito de ónus de prova
porque era uma peça de um sistema, o legal, que em grande medida havia dei-
xado de existir.
Houve quem, à data, assinalasse esta fatal consequência
45
, mas WACH
46
,
sendo muito jovem
47
, desqualificou com evidente arrogância aqueles que sus-
tentaram tal tese, muito provavelmente por considerar que a mesma abria as
portas à vigência do princípio do inquisitório no processo
48
, quando na verdade
assim não é. Seja como for, é muito provável que WACH tenha influenciado
boa parte da doutrina pela disseminação das suas ideias, e também neste parti-
cular ROSENBERG – não tanto noutros aspetos do mesmo assunto –, quando,
em 1900, redige a primeira versão do seu livro sobre esta temática. Na verdade,
em 1925, WACH fez uma recensão ao livro de ROSENBERG
49
, e consta que
eles se conheciam
50
. Quem sabe se essas circunstâncias influenciaram ROSEN-
BERG a perpetrar um autêntico ato de nostalgia científica dificilmente expli-
cável, reafirmando com maior influência do que qualquer outro autor a ideia
de GLASER. E assim decidiu, em primeiro lugar, não propor – surpreenden-
temente – a abolição do conceito de ónus subjetivo - apesar do que havia dito
Diritto civile e commerciale págs. 249 e segs.
45
KOHLER, Josef (con HOLTZENDORFF), Encyclopädie der Rechtswissenschaft, vol. 3, Leipzig
1904, págs. 315 e segs. BAR, L., Recht und Beweis im Zivilprozesse, Leipzig 1867, págs. 46 e segs.
46
WACH, Adolf, Der Entwurf einer deutschen Civilprozeßordnung, Kritische Vierteljahres-
schrift für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft vol. 14 1872, pág. 357: „Eine der größten Thorhei-
ten der Reformjurisprudenz ist die Behauptung, die freie Beweistheorie führe zur Beseitigung der
Grundsätze über Vertheilung der Beweislast. Sie beruht auf einer groben Verwechslung des inqui-
sitorischen Princips des Strafprocesses, der Pflicht des Richters zur selbstthätigen Beschaffung der
Beweise und der Emancipation von Beweisregeln bei Beurtheilung des von der Parteien gelieferten
Materials. Die vielgehörte Erwägung, weil der Richter aus dem Ergebnis der ganzen Verhandlung
unter Würdigung Umstände sich seine Ueberzeugung zu bilden habe, so kann nur noch darauf an-
kommen, ob bewiesen ist, nicht wer zu beweisen und beweisen habe, ist ein Trugschlug. Dem Richter
kann es allerdings gleich sein, wer bewiesen hat, wenn bewiesen ist, aber nicht wer zu beweisen hat-
te, wenn nicht bewiesen ist. Die Sätze actore non probante reus absolvitur und reus excipiendo actor
fit bleiben unerschüttert (...)“.
47
Nasceu em 1843 em Kulm (atual Chełmno), por isso, na altura da sua escrita, tinha 29 anos
de idade.
48
Tal se deduz, claramente, no texto da nota anterior. WACH, Der Entwurf einer deutschen Civil-
prozeßordnung, cit. págs. 331 e segs, 357-358.
49
WACH, Adolf, “Rez. Rosenberg, Beweislast, 2. Auflage“, Juristische Wochenschrift, 54, 1925,
pág. 722.
50
GRÄFE, Ulrike, Leo Rosenberg – Leben und Wirken (1879-1963), Berlin 2011, págs. 46 e segs.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 83 08/11/2022 11:00:47
Jordi Nieva-Fenoll
84 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
a esse respeito – e, em segundo lugar – ao contrário da opinião de WACH
51
–,
estabelecer o conceito de ónus objetivo, que, deve notar-se, nada mais é do que
uma consequência da abolição do conceito de ónus subjetivo e que, no fundo,
tenta manter doutrinalmente aquela velha ideia, ainda que de um modo força-
do. E assim afirmou que embora já não interessasse, na verdade, quem havia
fornecido a prova no processo para efeitos de valoração, havia ainda interesse
em determinar quem seria prejudicado pela falta de prova de um facto inde-
pendentemente da sua atuação no processo. Era esse o único conteúdo do ónus
objetivo. E nenhum outro
52
.
E digo isso porque a partir desse momento, como vem a reconhecer o
próprio ROSENBERG, o conceito separa-se definitivamente da definição de
“ónus”, porque na realidade ninguém tem o ónus, o que se passa é que sem a
prova desses factos, não é que o processo não se resolva, mas que, na verdade, a
noção de ónus objetivo supera por completo a repartição de responsabilidades
probatórias entre os litigantes e descreve um conjunto de factos controvertidos
que deveriam ser resolvidos para se poder emitir a decisão judicial. O conceito
poderia ser relevante nos processos em que a produção oficiosa de prova possa
ser praticada, pois de alguma forma podia-se dizer que ela serve para orientar
o trabalho do juiz – embora ele estivesse perfeitamente orientado sem ela, como
se verá mais adiante –, mas fora disso apenas marca o campo de ação do ónus
subjetivo, o que provoca a – quase completa – tautologia a que antes me referi.
Ou seja, o ónus objetivo definiria os factos que devem ser provados, e o subje-
tivo quem deve prová-los. Por esse motivo se disse que numa sequência lógica
primeiro se considera o ónus objetivo, e depois o subjetivo
53
.
Mas, como se disse, isso obscurece completamente o conceito de “ónus”,
distanciando-o completamente do originário onus probandi. Com o conceito de
“ónus” objetivo estamos antes diante de uma lista de factos a serem provados,
e que devem ser demonstrados através dos meios de prova que serão objeto de
apreciação judicial. E é justamente aí que se coloca a questão de saber que força
deve ter a prova que se obtém no processo com vista à criação da convicção
judicial. É como se, de repente, a palavra “ónus”, de designar uma espécie de
51
WACH, „Beweislast nach dem BGB“, ZZP, 29, 1901, págs. 363-364., definiu o ónus material
como um „gegenstandsloser Begriff“, ou seja, um conceito sem objeto.
52
Vid. o própio ROSENBERG, Leo, Lehrbuch des Deutschen Zivilprozeßrechts, Berlin 1929, pág.
368. E, seguindo-o, toda a doutrina: POHLMANN, Petra, Zivilprozessrecht, München 2014, pág. 153,
LÜKE, Wolfgang, Zivilprozessrecht, München 2011, pág. 273, JAUERNIG, Othmar / HESS, Burkhard,
Zivilprozessrecht, München 2011, págs. 202-203. MUSIELAK, Hans-Joachim, Grundkurs ZPO, Mün-
chen 2002, pág. 279. GRUNSKY, Zivilprozessrecht, Bielefeld 2003, pág. 40. SCHILKEN, Eberhard, Zi-
vilprozessrecht, München 2006, págs. 271-272, ou a própia edição atual do manual de ROSENBERG:
ROSENBERG / SCHWAB / GOTTWALD, Zivilprozeßrecht, München 2018, pág. 697.
53
Vid. ROSENBERG / SCHWAB / GOTTWALD, Zivilprozeßrecht, München 2018, pág. 697,
LAUMEN, Hans-Willi, „Grundbegriffe der Beweislast“, en Baumgärtel / Laumen / Prütting, Hand-
buch der Beweislast, München 2009, págs. 42-43.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 84 08/11/2022 11:00:47
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 85
“obrigação” das partes, passasse a assumir um sentido mais literal e se trans-
formasse num “peso” que a prova deve ter para ser convincente.
No entanto, é um salto argumentativo realmente intransponível, pois vai
além da questão de quem fornece a prova para a questão da sua apreciação, que
são coisas absolutamente diferentes e que só poderiam ser relacionadas, como
veremos adiante, num sistema de prova legal onde, precisamente, a questão de
quem fornece a prova não é apenas um auxílio ao juiz na apreciação da prova,
mas sim algo que substitui essa apreciação
54
. É desta consciência implícita que
ROSENBERG
55
, totalmente orientado pelo sistema da livre apreciação e tentando
superar o sistema de prova legal, disse que as normas do ónus da prova não são
necessárias quando o facto é notório, quando foi confessado por uma das partes
ou quando um juiz usa máximas da experiência para construir a sua convicção.
ROSENBERG mal estava consciente das consequências desta última frase,
que influenciou, por certo, o art. 139 do Código Geral de Processo do Uruguai
de 1988
56
ou em parte o art. 136 do Código de Processo Civil boliviano de 2013
57
.
Se a dúvida sobre os factos se resolve por meio de máximas de experiência, ou
seja, através de um raciocínio lógico que verte na sentença a convicção causada
pela produção do meio de prova, acaba-se substituindo o ónus – agora objetivo
– da prova pelo sistema de livre apreciação. Algo significará que LAUMEN
58
,
partindo da opinião de BENDER, NACK e TREUER
59
, reconheça que quase
toda a prova – exceto o reconhecimento judicial – é indireta, ou seja, indiciária
60
.
É curioso, e até revelador, que ROSENBERG, na página imediatamente
anterior
61
da sua obra, diga que não se pode distinguir a resposta à pergunta
54
É absolutamente fundamental ler TARUFFO, Michele, Studi sulla rilevanza della prova, Padova
1970, págs. 14-18, para entender até às últimas consequências os antecedentes e a essência do que aca-
bo de afirmar, que também confundiram MICHELI, Gian Antonio, en su L’onere della prova, Padova
1966, págs. 141 e segs.
55
ROSENBERG, Die Beweislast, cit. pág. 55.
56
Artigo 139.- Ónus da prova. 1 A quem pretende algo, cabe a prova dos factos constitutivos
da sua pretensão; aquele que se opõe tem o ónus de provar os factos modificativos, impeditivos ou
extintivos daquela pretensão. 2. A distribuição do ónus da prova não obstará à iniciativa probatória
do tribunal nem à sua apreciação, conforme com as regras do senso comum, das omissões ou defi-
ciências da prova.
57
Artigo 136. (ónus da prova). I Quem pretende alegar um direito, deve provar os factos cons-
titutivos da sua pretensão. II. Quem se opuser à pretensão da contraparte, deve provar os factos im-
peditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. III. O ónus da prova que o presente Código
impõe às partes não impedirá a iniciativa probatória da autoridade judicial.
58
LAUMEN, „Grundbegriffe der Beweislast“, cit. pág. 308.
59
BENDER, Rolf / NACK, Armin / TREUER, Wolf-Dieter, Tatsachenfeststellung vor Gericht,
München 2007, pág. 145.
60
Abordagem já expressa em BENDER, Rolf / NACK, Armin, Grundzüge einer Allgemeinen
Beweislehre, Deutsche Richterzeitung 1980, pág. 121, e compartilhada com MUÑOZ SABATÉ, Lluís,
Técnica probatoria, 3ª ed., Barcelona 1993, pág. 20.
61
ROSENBERG, Die Beweislast, cit. pág. 54.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 85 08/11/2022 11:00:47
Jordi Nieva-Fenoll
86 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
“o que deve ser provado?” daquela à pergunta “quem deve provar?”, visto que
a resposta à primeira pergunta também dá a resposta à segunda, uma vez que
elas não podem ser separadas. Desta forma, ónus objetivo e subjetivo andariam
de mãos dadas. É também revelador que, ao mudar o ordenamento jurídico,
o conceito complementar ao de burden of poduction na Common Law seja o de
burden of persuasion – ou persuasive burden ou probative burden no Reino Unido
62
–, destinado sobretudo para o júri, e que se foca precisamente em quais “stan-
dards de prova” devem ser cumpridos para se dar um facto como provado em
cada processo. Ou seja, como veremos na secção seguinte, qual o nível de con-
vicção que o juiz deve ter para considerar um facto como provado
63
. E isso leva
ao passo final não tão claramente dado pela doutrina alemã: acaba-se identifi-
cando o ónus da prova com a apreciação do mesmo, o que esgota de conteúdo o
conceito de ónus objetivo e o de burden of persuasion. Ou seja, em ambas as noções
estão a descrever a apreciação da prova, focando-se no nível de convicção, isto
é, na própria essência da apreciação da prova.
Consequentemente, o conceito, ou deixa de chamar-se “ónus” – exceto se,
como se disse, se identificar como um peso –, ou simplesmente se torna redun-
dante com o da apreciação.
Mas há ainda outra consequência importante do conceito de ónus objetivo
a que já foi feita referência, mas que vale a pena relembrar, e que é uma nova
consequência do sistema de livre apreciação e que ultrapassa a versão original
do princípio do dispositivo no qual se baseava o sistema legal como forma de
controle da atuação do juiz. No processo identificam-se os factos que devem
ser provados, mas, como vimos, para efeitos do princípio da aquisição já não
interessa quem os apresenta, de modo que as provas trazidas por uma parte e
que em princípio a beneficiariam, podem conter informações que acabam por
beneficiar a parte contrária. E isso é relevante para efeito da apreciação, por-
que o que importa é que o fato seja objeto de prova, que permita esclarecê-lo,
independentemente de quem contribua para esse esclarecimento, o que, como
já se disse, era a única coisa que importava no sistema de prova legal. Acontece
constantemente que um documento contenha informações que podem benefi-
ciar a parte contrária, ou que uma testemunha se torne hostil a quem a arrolou.
E isso não importa, uma vez que as informações fornecidas por esses meios
de prova são úteis para o processo, independentemente de quem os forneceu.
Tudo o que foi descrito, já se disse, é o que se denomina desde CHIOVENDA
como “princípio da aquisição”, que curiosamente tem sido objeto de um estudo
bastante superficial, pois o seu conteúdo é simplesmente considerado como
62
DENNIS, The Law of Evidence, cit. pág. 441.
63
BEX / WALTON, “Burdens and standards of proof for inference to the best explanation:
three case studies”, cit. pág. 113, 117.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 86 08/11/2022 11:00:47
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 87
algo lógico
64
.
E na realidade, não é. É uma consequência simples do sistema de livre
apreciação, onde se espera que as partes colaborem com o juiz no esclarecimen-
to dos factos
65
, e não apenas que forneçam meios de prova que as beneficiem,
como ocorria no sistema de prova legal. E eis que finalmente o processo se
converteu, atualmente, naquilo que nunca devia ter deixado de ser: um espaço
que ponha o juiz nas melhores condições para receber as alegações das partes
e a prova dos factos, valorando-as livremente sem recorrer aos atalhos do ónus
subjetivo da prova, que muitas vezes levam a resultados absurdos.
Assim se completou uma evolução, ao mesmo tempo que desapareceu um
conceito
66
. No sistema de livre apreciação, a utilidade do ónus objetivo identifi-
ca-se com a valoração da prova, e o ónus subjetivo deixa ter sentido com o prin-
cípio da aquisição. Talvez fosse o único destino possível para duas instituições
que derivavam do sistema legal e que tinham sentido nesse sistema. Veremos
a seguir.
3. Conceito e tipos de standards de prova.
É necessário aprofundar os meandros desse «ónus” objetivo, tão seme-
lhante ao burden of persuasion se olharmos para a essência de ambos e não aten-
tarmos apenas nas definições doutrinárias que apenas criam fronteiras artifi-
ciais entre noções análogas ou idênticas.
Ao longo da história e em várias culturas jurídicas, existiram referências
ao que atualmente se chama, por influência anglo-saxónica, de “standards da
prova”
67
. É extremamente interessante levar em consideração que se trata de
um assunto repetidamente abordado, por vezes de forma fechada e outras de
forma mais aberta, como é o caso atualmente. Chegou-se a dizer que “standards
of proof are a simple concept, unless you stop to think about them
68
. Não é uma má
orientação para ponto de partida, embora possa ser errónea a final.
64
Vid. novamente TARUFFO, Studi sulla rilevanza della prova, cit. págs. 14-18.
65
ROSENBERG, Leo / SCHWAB, Karl Heinz / GOTTWALD, Peter, Zivilprozessrecht, cit. págs.
427-428.
66
Foi apontado ou intuído em sua época por MUÑOZ SABATÉ, Lluís, Técnica probatoria, Bar-
celona 1967, pág. 46.
67
Para uma perspetiva comparatista, ainda que com erros, consultar CLERMONT, K.M. /
SHERWIN, E., “A Comparative View of Standards of Proof”, American Journal of Comparative Law
50, n. 2, primavera 2002, págs. 243 e segs. Vid. los errores de este artículo señalados y debidamente
subsanados por TARUFFO, M., “Rethinking the Standards of Proof”, American Journal of Comparative
Law 51, n. 3 verano 2003, págs. 659 e segs. Vid. também CLERMONT, K. M., “Standards of Proof Re-
visited”, Cornell Law Faculty Publications, 13, 2009, págs. 469 e segs.
68
CLERMONT, K.M., “Staying Faithful to the Standards of Proof”, Cornell Legal Studies Re-
search Paper n. 18-45, 2018, pág. 2.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 87 08/11/2022 11:00:47
Jordi Nieva-Fenoll
88 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
Os primeiros a surgir na história foram os standards do sistema de prova
legal. Conhecia apenas dois desses standards
69
, além de um terceiro que foi por
vezes citado, mas que tinha uma definição extremamente vaga para o processo
penal. Refiro-me à plena probatio, à semiplena probatio e, finalmente, aquele ter-
ceiro standard conhecido por alguns autores denominado probatio pleníssima, à
qual mal me referirei já que o seu conteúdo é extremamente impreciso
70
.
A plena probatio foi o standard de convicção – em princípio – máximo que
se podia alcançar no processo. Era alcançado por meio de um documento públi-
co – muitas vezes dizia-se exatamente qual deveria ser
71
-, ou dois testemunhos
diretos, ou através de uma declaração ajuramentada. Na verdade, e em todo
o caso, tratava-se do mesmo pano de fundo: o juramento. Por detrás de um
documento público havia um notário que jurava que era verdade, ou as duas
testemunhas juravam, ou era o próprio litigante jurava. Portanto, era um stan-
dard puramente religioso, para ser mais exato, que fazia depender a convicção
judicial da fé, que a relacionava com uma ordália. De facto, o juramento foi um
modo de civilizar essas ordálias
72
. E como já foi dito, o nível de convicção era
máximo
73
. Nessa época não se podia duvidar da fé, ou seja, da vontade divina.
A semiplena probatio era tudo o mais, ou seja, o documento particular, um
único testemunho – ou testemunhos indiretos – ou uma declaração de parte
não ajuramentada. Daí surgiram os indícios, posteriormente incluídos no es-
tudo das presunções. A essa altura, a apreciação dessas provas devia ser livre,
mas, na realidade, acabava-se a somar o número de provas semiplenas
74
, sem
apreciá-las, de forma alguma, de modo lógico. Em todo o caso, tratava-se de
um nível de convicção inferior ao anterior. Foi por esse motivo que no proces-
so penal se proibiram os testemunhos indiretos (de “ouvi-dizer”)
75
, e também
69
Cfr. ORTIZ DE ZÚÑIGA, Práctica general forense, T. II, Madrid 1856, págs. 239, 255, 257 e
especialmente 271. DE VICENTE Y CARAVANTES, Tratado histórico, crítico filosófico de los proce-
dimientos judiciales en materia civil según la nueva Ley de Enjuiciamiento, Madrid 1856, pág. 133.
70
NÖRR, Romanisch-kanonisches Prozessrecht, cit. pág. 129. A clasificação de plenissima, plena
e semiplena era de AZZONE, Summa Azonis, Venecia 1581, lib. III, 1 (De iudicis), 18, 19. DURANTE,
Speculum iuris, Venecia 1602, lib. I, Part. I, De summaria cognitione, 1, 2 e 3.
71
Seguindo sobretudo as indicações do Codex, ainda que posteriormente as leis de cada terri-
tório adaptassem esses documentos à sua realidade. Vid. Partida III, Tít. 18.
72
Melhor desenvolvido em NIEVA FENOLL, La valoración de la prueba, cit. págs. 41 e segs.
73
GARNOT, B., “Voltaire et la justice d’ancien régime: la médiatisation d’une imposture intel-
lectuelle”, Nouveau Monde Éditions, 2010, n. 15, pág. 29.
74
Vid. JAUMAR Y CARRERA, Joaquín, Práctica forense, Barcelona 1840, pág. 48: “Por regla
general el conjunto de dos pruebas semiplenas equivale á una de plena, pero carecen de esta fuerza
en las causas criminales y aun en las civiles cuando obsta á las dos semiplenas una de plena.” NÖRR,
Romanisch-kanonisches Prozessrecht, Heidelberg 2012, pág. 128.
75
Partida III, tít. XVI, Ley 28. Constitutio criminalis Carolina de 1532, art. 65: Art. 65. Wie zeug-
enn sagen sollen. Jtem die zeugen sollenn sagen von jrem selbs eigen waren wissenn mit antzeigung
jrs wissens gruntlicher vrsach. So sy aber vonn frembden hören sagenn wurden, das soll nit genug-
sam geacht werden.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 88 08/11/2022 11:00:47
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 89
frequentemente a “prova indiciária”
76
, porque se tratava de obter a plena pro-
batio, ou seja, um nível de convicção máxima que alcançasse as exigências de
ULPIANO
77
de não condenar por suspeitas, mas somente por recurso ao que
se viria a chamar de “provas diretas”. Na verdade, a probatio plena era a única
prova direta, sendo a restante indireta, ou seja, semiplena probatio.
É, sem dúvida, a primeira tentativa de standardização da apreciação da
prova, como de controlar mais do que de ajudar o juiz, afastando-a da sua
consciência ou intuição e fazendo com que as ocorrências do processo fossem
propriedade das partes, como pretendeu com êxito o remoto secundum allegata
et probata (partium
78
). Mas, ao mesmo tempo, já no século XVIII, emergiu na
Common Law um standard para o processo penal que teria uma jornada mui-
to longa, chegando até aos dias atuais, e que originalmente procurava apenas
orientar os juízes. É o beyond any reasonable doubt ou “além de qualquer dúvida
razoável”
79
, na expressão espanhola que, não há como negar, é um tanto pito-
resca, apesar de ter sido acolhida nestes termos pelo art. 340 do Código de Pro-
cesso Penal do Chile de 2000
80
ou pelo art. 359 do Código Nacional de Processo
Penal do México de 2014
81
.
É um standard que se demonstrou
82
ter surgido de um outro standard an-
terior pertencente ao direito canónico: a certeza moral
83
. Parte-se do pressuposto
de que, se um processo for conduzido de acordo com o que é nele alegado e
76
Partida III, tít. XIV, Ley 12.
77
Dig. L. 48, tít. 19, 5. Ulpiano: “sed nec de suspicionibus debere aliquem damnari divus traia-
nus adsidio severo rescripsit: satius enim esse impunitum relinqui facinus nocentis quam innocentem
damnari.”
78
Sobre o “partium” remeto ao que indiquei em NIEVA FENOLL, “El mal nombre del princi-
pio inquisitivo”, en La ciencia jurisdiccional: novedad y tradición, Madrid 2016, págs. 30 e segs.
79
Vid. DALIA, Gaspare, Convincimento giudiziale e ragionevole dubbio, Milano 2018, págs. 1 e segs.
80
Artigo 340.- Convicção do tribunal. Ninguém poderá ser condenado por delito senão quando
o tribunal que o julgar adquirir, para lá de qualquer dúvida razoável, a convicção de que foi efeti-
vamente cometido o facto punível objeto da acusação e desde que tenha sido o arguido acusado por
crime previsto e punido pela lei.
O tribunal formará a sua convicção com base na prova produzida durante o julgamento oral.
Não se poderá condenar uma pessoa com fundamento exclusivo no seu próprio depoimento.
81
Artigo 359. Apreciação da prova. O Tribunal de julgamento deverá fazer referência na sua
motivação a todas as provas produzidas, inclusive aquelas que foram desconsideradas, indicando
as razões para o fazer. A motivação expressará o raciocínio utilizado para alcançar as conclusões
contidas na decisão judicial. Só se poderá condenar o acusado se se verificar uma convicção de cul-
pabilidade além de toda a dúvida razoável. Em caso de dúvida razoável, o Tribunal de julgamento
absolverá o arguido.
82
WHITMAN, James Q., The origins of reasonable doubt, New Haven y London 2005, págs. 187
e segs.
83
LLOBELL TUSET, Joaquín, La certezza morale nel processo canonico matrimoniale, en: “Il Dirit-
to Ecclesiástico, 109/1, 1998, pág. 771. ALISTE SANTOS, Relevancia del concepto canónico de “certeza
moral”, cit. págs. 667-668, e do mesmo autor, La motivación de las resoluciones judiciales, cit. págs. 309
e segs.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 89 08/11/2022 11:00:47
Jordi Nieva-Fenoll
90 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
provado – aspeto objetivo – perante um juiz devidamente instruído e que atue
racionalmente – aspeto subjetivo –, talvez não se possa garantir a descoberta
da verdade no processo, mas ter-se-á a “certeza moral” de tê-lo feito. Pois bem,
com além de qualquer dúvida razoável procurava-se retratar numa expressão os
méritos desse conceito de um modo compreensível, de modo a transmitir aos
juízes a ideia de que deviam estar muito seguros da culpa de um arguido para
o poder condenar
84
. Ou seja, que a condenação só procedia se houvesse uma se-
gurança máxima na convicção de cada juiz, isto é, com uma parte essencial – o
aspeto objetivo – dessa certeza moral. Na época em que foi enunciado, o beyond
any reasonable doubt não tinha, portanto, a intenção de ser um standard máximo,
embora mais tarde se tornasse esse standard, mas uma simples instrução para
o juiz. Não é de estranhar que pouco depois os revolucionários franceses a ex-
pressaram numa tradução livre
85
como intime conviction, expressão que já tinha
algum uso na França antes dessa época
86
. Na verdade, tratava-se de exprimir a
sua convicção de acordo com o the best of their knowledge, expressão inglesa que
está na base da conceção moderna do sistema de livre apreciação
87
.
Mas com o passar do tempo, o mundo da Common Law sentiu – embora
não unanimemente
88
– a necessidade de determinar melhor os níveis de convic-
84
Assim se fazia em 1780, na Old Bailey de Londres, como relata WHITMAN, The origins of
reasonable doubt, cit. pág. 187.
85
A primeira vez que o fizeram, ao traduzir a obra de BLACKSTONE, Commentaires sur les loix
angloises, traduits de l’Anglois par Auguste-Pierre Damiens de Gomicourt sur la quatrieme edition
d’Oxford, t. V, Bruselas 1776, pág. 176, traduziram-no simplesmente como “connoisance” (sic).
86
Vid. por exemplo, DE LA TOUR, Bertrand, Oeuvres, Colonia 1776, pág. 41.
87
BLACKSTONE, Commentaries on the Laws of England, III, London 1794, cap. 23, págs. 373-
374: “As to such evidence as the jury may have in their own consciences, by their private knowledge
of facts, it was an ancient doctrine, that this had as much right to sway their judgment as the written
or parol eyidence which is delivered in court. And therefore it hath been often held, that though no
proofs be produced on either side, yet the jury might bring in a verdict. For the oath of the jurors,
to find according to their evidence, was construed to be, to do it according to the best of their own
knowledge. This seems to have arisen from the ancient practice in taking recognitions of assise, at
the first introduction of that remedy; the sheriff being bound to return such recognitors as knew the
truth of the fact, and the recognitors, when sworn, being to retire immediately from the bar, and bring
in their verdict according to their own personal knowledge, without hearing extrinsic evidence or
receiving any direction from the judge. And the same doctrine (when attaints came to be extended to
trials by jury, as well as to recognitions of assise) was also applied to the case of common jurors; that
they might escape the heavy penalties of the attaint, in case they could shew by any additional proof,
that their verdict was agreeable to the truth, though not according to the evidence produced: with
which additional proof the law presumed they were privately acquainted, though it did not appear
in court. But this doctrine was again gradually exploded, when attaints began to be disused, and new
trials introduced in their stead. For it is quite incompatible with the grounds upon which such new
trials are every day awarded, viz. that the verdict was given without, or contrary to, evidence. And
therefore, together with new trials, the practice seems to have been first introduced, which now uni-
versally obtains, that if a juror knows any thing of the matter in issue, he may be sworn as a witness,
and give his evidence publicly in court.”
88
São bem conhecidas as críticas de WIGMORE, John Henry, A Treatise on the System of Evidence in
Jordi Nieva-Fenoll.indd 90 08/11/2022 11:00:47
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 91
ção a fim de tentar evitar – creio que em vão – decisões erróneas, surgindo as-
sim a “probabilidade preponderante” – preponderance of evidence
89
ou balance
of probabilities no Reino Unido
90
e a clear and convincing evidence
91
. A primeira se-
ria o standard mínimo para se considerar na sentença um facto como provado,
que poderia representar-se intuitivamente com um percentual de condenação
de 50,01 %
92
. O segundo seria mais exigente, mas um escalão abaixo do “além
de qualquer dúvida razoável”. Surgem assim, como se vê, três standards que
lembram fortemente a semiplena probatio e a probatio plena, deixando o beyond
any reasonable doubt como uma espécie de probatio plenissima, tão difícil de defi-
nir quanto aquele antigo conceito
93
. Também se falou em standards inferiores à
preponderance of evidence, que servem sobretudo para iniciar procedimentos po-
liciais no processo penal. O mais conhecido é, sem dúvida, o da probable cause
94
,
mas mais alguns foram desenvolvidos sobretudo na jurisprudência estaduni-
dense, mas que não são nem tão conhecidos nem tão utilizados.
Finalmente, na Alemanha fala a doutrina de “medida da prova” – Beweis-
maß
95
. Na verdade, estão em causa diferentes medidas de prova, que oferecem
também diferentes níveis de convicção, conhecidos parcialmente pelo Direito
continental e pela Common Law. Dela se adotou a probabilidade preponderante
- Überwiegensprinzip -
96
e o “além de toda a dúvida razoável”, como standards
de convicção do processo civil e do processo penal respetivamente, mas há um
terceiro standard que é o Glaubhaftmachung
97
, que seria equivalente à prova pri-
ma facie do direito espanhol ou italiano, entre outros. Este último significa um
standard mínimo de convicção, suficiente para a adoção de medidas cautelares
em geral, exceto as mais graves do processo penal, que requerem um grau de
Trials at Common Law, vol. IV, Boston 1905, §2497-2498, págs. 3540-3547, sobre este aspeto em particular.
89
REDMAYNE, M., “Standards of Proof in Civil Litigation”, Modern Law Review 62, no. 2, Mar-
zo 1999, págs. 167 e segs.
90
MURPHY, Peter, Murphy on evidence, Oxford 2005, pág. 102.
91
REDMAYNE, M., “Standards of Proof in Civil Litigation”, cit. pág. 187.
92
GUERRA, A. / LUPPI, B. / PARISI, F., “Standards of Proof and Civil Litigation: A Game-The-
oretic Analysis”, The B.e. Journal of Thworetical Economics, 2019, pág. 2.
93
LAUDAN, Truth, error and Criminal Law, cit. págs. 29 e segs. DOAK, Jonathan /MCGOUR-
LAY, Claire, Criminal evidence in context, London – New York 2009, págs. 58 e segs. KEANE, Adrian,
The modern law of evidence, London 2000, págs. 92 e segs. CHOO, Andrew L-T, Evidence, Oxford 2009,
pág. 49.
94
IV emenda da Constituição dos EUA. Sobre o tema, MIRANDA ESTRAMPES, M., Prueba
ilícita y regla de exclusión en el sistema estadounidense. Crónica de una muerte anunciada, Madrid 2019,
págs. 17 e segs.
95
LEIPOLD, Dieter, Beweismaß und Beweislast im Zivilprozeß, Berlin 1985. GOTTWALD, Das
relative Beweismaß im englischen und deutschen Zivilprozeß, FS Henrich 2000, págs. 165 e segs.
SCHWEIZER, Beweiswürdigung und Beweismaß, Tübingen 2015. BRINKMANN, M., Das Beweis-
maß im Zivilprozess aus rechtsvergleichender Sicht, Köln 2005.
96
SCHWEIZER, Beweiswürdigung und Beweismaß, cit., pág. 455.
97
SCHERER, Inge, Das Beweismaß bei der Glaubhaftmachung, Köln 1996, págs. 4-5 e 75 e segs.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 91 08/11/2022 11:00:47
Jordi Nieva-Fenoll
92 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
convicção superior. Discute-se se deve também existir uma medida de prova
nos casos da Anscheinbeweis – prova da aparência -
98
, ou seja, nos casos em que
claramente a decisão do processo a favor do autor depende de indícios decor-
rentes de uma prova que normalmente seria considerada insuficiente, mas que
em certos casos-tipo frequentes, podem servir para dar origem à lide
99
. Não
falta quem tente quantificar com gráficos o Beweismaß
100
.
Como se verifica, parece que nenhuma família jurídica foi alheia ao tema
dos standards. Talvez seja por uma nostalgia da falsa garantia que oferecia o
antigo sistema da probatio plena/semiplena probatio, ou provavelmente por dar
algum tipo de orientação aos juízes no que se refere ao cumprimento da tão
difícil tarefa de avaliar a prova, uma vez superada a vocação de controlo do se-
cundum allegata et probata, e tendo já assumido a confiança que deposita no juiz
o sistema da livre apreciação da prova. Embora se tenha de ter em conta alguns
factos que são importantes.
Em primeiro lugar, falar de probabilidade preponderante e defini-la como
uma conclusão mais provável do que improvável, não é nenhuma ferramenta
que ajude o juiz, mas sim uma simples descrição de seu trabalho diário. Desde
logo que, para não ser arbitrário, o juiz deve declarar como provado aquilo que
pode justificar por meio da motivação que lhe parece mais provável, e não o
que lhe parece menos factual. Isso é tão óbvio que nem seria preciso dizê-lo.
Em segundo lugar, deve ter-se presente que a definição dos standards se
destina prioritariamente ao júri
101
, a fim de lhes oferecer pontos de referência
que ajudem a construir a intuição não motivada que reflete o seu veredicto
102
,
98
Tratei do conceito em NIEVA FENOLL, “Los sistemas de valoración de la prueba y la carga
de la prueba: nociones que precisan revisión”, na La ciencia jurisdiccional: novedad y tradición, Madrid
2016, págs. 268 e segs., traduzido em alemão em NIEVA FENOLL, “Beweislast und Beweiswürdi-
gung: Begriffe, die einer Überprüfung bedürfen”, Zeitschrift für Zivilprozess International, 13, 2008,
págs. 297 e segs.
99
Vid. BRINKMANN, Das Beweismaß im Zivilprozess aus rechtsvergleichender Sicht, cit.
págs. 54 e segs.
100
Vid. A surpreendente enumeração de autores e percentagens que apresenta SCHWEIZER,
Beweiswürdigung und Beweismaß, cit., pág. 454.
101
Tal era reconhecido por WIGMORE, A Treatise on the System of Evidence in Trials at Com-
mon Law, cit. §2497, pág. 3543-3544, citando a opinião de Juez May: “Nevertheless, when anything
more than a simple caution and a brief definition is given, the matter tends to become one of mere
words, and the actual effect upon the jury, instead of being enlightenment, is rather confusion or, at
the least, a continued incomprehension. In practice, these detailed amplifications of the doctrine have
usually degenerated into a mere tool for counsel who desire to entrap an unwary judge into forget-
fulness of some obscure precedent, or to save a cause for a new trial by quibbling, on appeal, over
the verbal propriety of a form of words uttered or declined to be uttered by the judge. “No man can
measure with a rule he does not understand; neither can juries determine by rules obscure in them-
selves and made yet more obscure by attempted definition.” The effort to perpetuate and develop
these unserviceable definitions is a useless oe, and serves to-day chiefly to aid the purposes of the
tactician. It should be wholly abandoned.”
102
Vid. DANE, Francis C., “In Search of Reasonable Doubt”, Law and Human Behavior, vol. 9, n.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 92 08/11/2022 11:00:47
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 93
tendo-se estudado a possibilidade de o júri poder ser influenciado psicologica-
mente pelas palavras utilizadas em cada standard
103
. No entanto, o método é
tão inseguro que recentemente foi até sugerido aos jurados que medissem a sua
sensação de surpresa perante a hipótese de que o relato da acusação não fosse
verdadeiro
104
, a fim de confrontarem a força de sua convicção na culpabilidade.
Enfim, mais um capítulo na história de uma relíquia histórica - o júri - que por
razões políticas absurdas se recusa a morrer.
Seja como for, os standards fazem parte da burden of persuassion, ou seja,
do momento da decisão, ao contrário da burden of production, que opera somen-
te para os juízes no momento de admitir a prova, antes que elas sejam vistas
pelo júri, e o que se pretende é que os jurados tenham acesso apenas a material
de qualidade, e não a provas falsas, como por exemplo pareceres de especialis-
tas baseados em junk science, como recordou a série de sentenças Daubert
105
. É
importante lembrar que no sistema norte-americano ninguém deve motivar o
cumprimento dos standards, nem mesmo o juiz, pelo que a sua potencialidade
se esgota precisamente nesse ponto: a convicção não motivada dos jurados
106
.
Quero com isto dizer, que não há nada realmente científico por trás desses stan-
dards, no sentido de que eles não descrevem a realidade, mas um mero deside-
ratum psicológico que não vai ser verificado.
Em qualquer caso, mesmo que essa verificação e confirmação fossem feitas
pelo juiz, o resultado poderia ser o mesmo. Embora tenha havido esforços muito
2, 1985, pág. 142.
103
Foi nesta ideia que se fundamentou o ensaio de KAGEHIRO, D. K. / STANTON, C., “Legal
vs. Quantified Definitions of Standards of Proof”, Law and Human Behavior, vol. 9, n. 2, 1985, págs.
160 e segs.
104
GINTHER, M.; CHENG, E.K., “Surprise vs. Probability as a Metric for Proof”, Seton Hall Law
Review 48, n. 4, 2018, págs. 1081 e segs. PARDO, M. S., “Epistemology, psychology, and standards of
proof: An essay on Risinger’s surprise theory”, Seton Hall Law Review, 48(4), 2018, págs. 1039 e segs.
Vid. Também RISINGER, D., “Leveraging surprise: What standards of proof imply that we want from
jurors, and what we should say to them to get it”, Seton Hall Law Review, 48(4), 2018, págs. 965 e segs.
105
Daubert v. Merrell Dow Pharmaceuticals, 509 U.S. 579 (1993), General Electric Co. v. Joiner,
522 U.S. 136 (1997), Kumho Tire Co. v. Carmichael, 526 U.S. 137 (1999). Sobre a jurisprudência do
tema, vid. FAIGMAN, David L., “The Daubert Revolution and the Birth of Modernity: Maniging
Scientific Evidence in the Age of Science”, Legal Studies Research Paper Series, n. 19, 46 UC Davis Law
Review 2013, pág. 104. FOURNIER, Lisa R., “The Daubert Guidelines: Usefulness, Utilization, and Sug-
gestions for Improving Quality Control”, Journal of Applied Research in Memory and Cognition, 5, 2016,
pág. 308. GARRIE, Daniel B., “Digital Forensic Evidence in the Courtroom: Understanding Content
and Quality”, Northwestern Journal of Technology and Intellectual Property, vol. 12, 2014, 2, pág. 122.
VÁZQUEZ, Carmen, De la prueba científica a la prueba pericial, Madrid 2015. DONDI, Angelo, “Para-
digmi processuali ed ‘expert witness testimony’ nel diritto statunitense”, Rivista Trimestrale di Diritto
e Procedura Civile, 1996, págs. 261 e segs., AULETTA, Ferruccio, Il procedimento di istruzione probatoria
mediante consulente tecnico, Padova 2002. ANSANELLI, Vincenzo, La consulenza tecnica nel processo ci-
vile, Milano 2011, TARUFFO, Michele, “Prova scientifica e giustizia civile”, en AAVV, Giurisprudenza
e scienza, Roma 2017, págs. 241 e segs.
106
Vid. TARUFFO, “Rethinking the Standards of Proof”, cit. pág. 677.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 93 08/11/2022 11:00:47
Jordi Nieva-Fenoll
94 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
apreciáveis para fornecer conteúdo científico a esses standards
107
, a verdade é que
esses esforços servem apenas para tentar orientar o juiz mais na sua motivação do
que na sua convicção, no sentido de que este terá – teoricamente – de se ajustar ao
conteúdo dos standards no momento da exposição das suas conclusões
108
. Mas é
fácil deduzir que por mais intenso que seja o esforço do juiz nessa exposição, ele
acabará por se centrar mais na argumentação da sua decisão, com base num senti-
mento subjetivo
109
, do que num autêntico exercício epistemológico construindo a
sua convicção de forma gnosiologicamente correta. Certamente que em qualquer
cálculo há uma parte subjetiva
110
, mas para esse cálculo ser válido, essa subjetivi-
dade não pode ser tão sumamente predominante como neste caso
111
.
Esse resultado dececionante
112
– também para quem escreve – comprova-
-se não somente pela simples leitura das motivações dos juízes quanto à sua
convicção probatória, mas pela forma como estes selecionam as informações
decorrentes da produção da prova, que lhes servirá para estabelecer a sua con-
clusão preconcebida, geralmente descartando tudo o resto. Agir de outra for-
ma, ademais, seria muito complicado, porque é difícil incluir na motivação da
sentença absolutamente todo o conteúdo de um documento ou todas as respos-
tas dos depoimentos de todas as testemunhas, explicando porque lhe parecem
mais ou menos convincentes.
O melhor a que se pode aspirar é que a motivação do juiz seja intersubjeti-
vamente razoável, no sentido de que pode convencer a maioria dos observado-
res. E nessa tarefa é necessário fazer generalizações que vão além do conteúdo
dos standards, porque essa convicção judicial não pode ser classificada por meio
deles, de modo que o juiz diga que está convicto, mais convicto ou muito con-
victo, o que, ademais, não deixa de ser uma sensação absolutamente subjetiva.
Basicamente, a lógica dos standards, como veremos a seguir, é baseada na
107
Além da doutrina estadunidense que ora se cita, vid. FERRER BELTRÁN, J., “Prolegomena
to a theory on standards of proof. The test case for State liability for wrongful pre-trial detention”, in-
édito 2018, págs. 19 e segs. FERRER BELTRÁN, J., La valoración racional de la prueba, Madrid 2007.
108
Cfr. GASCÓN ABELLÁn, M., “Sobre la posibilidad de formular estándares de prueba obje-
tivos”, DOXA, Cuadernos de Filosofía del Derecho, 28, 2005, pág. 137.
109
ROSENBERG, Leo / SCHWAB, Karl Heinz / GOTTWALD, Peter, Zivilprozessrecht, cit. pág.
686.
110
Vid. LOEVINGER, L., “Standards of Proof in Science and Law”, Jurimetrics Journal, 32, n. 3,
págs. 328, 335.
111
Vid. a ilustrativa conclusão de CLERMONT, K. M., “Standards of Proof Revisited”, Cornell
Law Faculty Publications, 13, 2009, pág. 487: “The psychological mechanism for implementing stan-
dards of proof remains to be discovered. For the time being, science gives law no reason to abandon
its traditional hope that its intuitive fact-finder roughly estimates the subjective probability of the
burdened party’s version of fact, and then compares the probability to a set scale of coarse gradations
of probability, such as asking whether the version appears more likely than not or whether the ver-
sion appears almost certain.”
112
Cfr. BALL, V.C., “The Moment of the Truth: Probability Theory and Standards of Proof”, 14
Vanderbilt Law Revies, vol. 14, 1961, pág. 830.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 94 08/11/2022 11:00:47
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 95
mesma lógica matemática
113
de todo o sistema da apreciação legal. Lembremos
que se somavam e pesavam provas, o que hoje nos parece aberrante, mas que
era considerado razoável. É fácil dizer que 90
114
é mais do que 75 e que 75 é
mais que 50, mas essa lógica aritmética não pode ser realizada num sistema
de livre apreciação judicial
115
, a menos que possa ser medida cientificamente a
intensidade cerebral da convicção humana, coisa que hoje não é possível
116
, e
nem sequer se poderia dizer que seria útil
117
.
O que estou a tentar dizer constata-se através da apreciação daquele que é,
provavelmente, o único standard probatório usado em Espanha com uma certa
consciência de que o é: a prova prima facie
118
. Trata-se de uma convicção super-
ficial, rápida ainda que não precipitada, que concede uma tutela – geralmente
cautelar – a alguém que, todavia, tem que demonstrá-la no processo. Ou que é
utilizado para admitir uma denúncia ou reclamação, ou uma ação declinatória
ou embargos de terceiro, quando a história contada pelo requerente é consi-
derada como minimamente credível. Na realidade, esta formulação é, muito
provavelmente, uma simples sequela da antiga semiplena probatio.
Mas se abordarmos o lado prático desses processos, perceberemos que a
maioria deles exige uma convicção judicial total, pelo menos com os factos que
nesse momento estão sobre a mesa, que exceto no caso da denúncia – e nem
sempre – geralmente são todos os factos que também serão aportados no pro-
cesso. Talvez seja mais correto dizer que o juiz, para tomar qualquer decisão,
deve ter uma convicção que possa ser razoavelmente fundamentar com base
nos factos de que dispõe nesse momento. Tentar medir o nível de convicção
judicial é simplesmente impossível. É um sentimento tão subjetivo quanto as
tentativas de objetivar o conteúdo de cada standard
119
. Na verdade, quando se
tenta essa objetivação, cai-se na mesma subjetividade, pois tal objetivação con-
tém elementos valorativos difíceis de justificar até às últimas consequências
120
.
113
Vid. DEKAY, M.L., “The difference between Blackstone-Like Error Ratios and Probabilistic
Standards of Proof, Law and Social Inquiry, 21, n. 1, 1996, pág. 97.
114
É o percentual que costuma ser citado como referência do beyond any reasonable doubt. Vid. VARS, F.
E., “Toward general theory of standards of proof”, Catholic University Law Review, 60 (1), 2010, pág. 2.
115
Embora alguns autores sugiram a interessante conclusão de que uma referência numéri-
ca pode efetivamente orientar os jurados. MAGNUSSEN, S. / EILERTSEN, D.E. / TEIGEN, K.H. /
WESSEL, E., “The Probability of Guilt in Criminal Cases: Are People Aware of Being ‘Beyond Rea-
sonable Doubt’?”, Applied Cognitive Psychology, 28, 2014, págs. 196 e segs.
116
PEČARIČ, M. / KOZJEK, T., “From rational to more rational standards of proof”, Internation-
al Journal of Public Policy, Enero 2016, págs. 115 e segs.
117
CLERMONT, K.M., “Staying Faithful to the Standards of Proof”, cit. pág. 3.
118
Sobre o conceito, NIEVA FENOLL, J., Enjuiciamiento prima facie, Barcelona 2007.
119
FERRER BELTRÁN, “Prolegomena to a theory on standards of proof. The test case for State
liability for wrongful pre-trial detention”, inédito 2018, págs. 19 e segs.
120
GONZÁLEZ LAGIER, “Prueba y argumentación. ¿Es posible formular un estándar de prue-
ba preciso y objetivo? Algunas dudas desde un enfoque argumentativo de la prueba”, inédito 2018,
pág. 13.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 95 08/11/2022 11:00:47
Jordi Nieva-Fenoll
96 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
Em suma, como afirmado anteriormente, parece que neste contexto se an-
seia pelas garantias da antiga prova legal. Essas garantias às vezes podem ser
obtidas, quando todo o material probatório é unívoco. Mas se não for – e às ve-
zes não é –, entra-se inevitavelmente no subjetivismo para tentar – não nos enga-
nemos – adivinhar o que aconteceu. E é precisamente aqui que nos esquecemos
da afirmação de um dos poucos juristas que, a meu ver, sem reconduzir a ques-
tão ao cumprimento de nenhum standard, a focou de forma mais correta e útil.
Refiro-me a ULPIANO e à sua referência a “suspeitas”.
Pero Trajano respondió por rescripto a Adsiduo Severo que nadie debía ser
condenado por sospechas: es preferible que se deje impune el delito de un
culpable antes que condenar a un inocente.
121
Não há controvérsia na definição de “suspeita”. É o oposto de certeza,
ou seja, uma incerteza. O que o jurista romano disse é muito fácil de entender,
mesmo que soe mal aos punitivistas. É preferível que os criminosos escapem,
do que um inocente ser condenado. Se não podemos afirmar categoricamente
que alguém cometeu um crime, devemos absolvê-lo. E, claro, poderíamos dizer
que ULPIANO – apesar da época a que pertence – era um “inocentista” e, por-
tanto, um exagerado, e que o correto é condenar quando houver indícios que
impliquem um sujeito num crime, mas também dados em sentido contrário
igualmente confiáveis. Mas continuamos a respeitar a máxima de ULPIANO,
ou seja, a presunção de inocência, porque continua a nos parecer - espero que
por muito tempo
122
- a mais justa.
Por esse motivo, creio que terá sido mais acertada a estratégia da proba-
bilidade indutiva
123
, tanto em seu método quanto em seus resultados, também
compatível com as orientações da psicologia
124
sobre a questão, e trazendo até
mesmo alguns desenvolvimentos doutrinários sobre os standards da prova. A
ideia é traçar hipóteses bem construídas que expliquem um relato factual rele-
vante para o processo. Somente se pudermos razoavelmente descartar todas as
121
Dig. L. 48, tít. 19, 5. Ulpiano: “sed nec de suspicionibus debere aliquem damnari divus traia-
nus adsidio severo rescripsit: satius enim esse impunitum relinqui facinus nocentis quam innocentem
damnari.”
122
Embora já existam vozes que se começam a pronunciar parcialmente contra, sugerindo que
seja aplicado um standard de prova mais baixo aos arguidos reincidentes, o que pode esconder uma
intenção de relegar a presunção de inocência. Vid. LAUDAN, Larry, “Different Strokes for Different
Folks: Fixing the Error Pattern in Criminal Prosecutions by Empiricizing the Rules of Criminal Law
and Taking False Acquittals and Serial Offenders Seriously”, Seton Hall Law Review 48, n. 4, 2018,
págs. 1243 e segs.
123
COHEN, Lawrence Jonathan, The probable and the provable, Oxford 1977, págs. 121 e segs.
124
JOHNSON-LAIRD, pág. N., “Mental Models and Probabilistic Thinking”, Cognition, 1994,
50, págs. 191 e segs.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 96 08/11/2022 11:00:47
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 97
hipóteses alternativas à versão de culpabilidade, podemos condenar, e desde
que esse relato seja também ele razoável. Isso é exatamente o que ULPIANO
exigia. Mas parece-me que é errado tentar elevar esse modus operandi ou estra-
tégia acertada à categoria de standard, porque não é possível explicá-lo com o
detalhe que precisa a segurança que o standard deveria transmitir.
Muito pelo contrário, tanto para um juiz como – principalmente – para um
jurado, seria muito mais útil dizer-lhes que devem elaborar diferentes hipóte-
ses sobre como os acontecimentos ocorreram, procedendo ao descarte daquelas
que não lhes pareçam cabíveis. Se nenhuma lhes parecer razoável, eles devem
absolver, mesmo que não tenham conseguido configurar uma versão dos fac-
tos. Somente se uma hipótese incriminatória parecer razoável e a hipótese de
inocência puder ser descartada, não por intuição, mas com argumentos, se pode
legitimamente condenar. Não se podem deixar levar pela raiva contra alguém
que julgam ser criminoso e que nos faça sentir que vai escapar. Essa deveria ser
a segunda advertência, quer a juízes quer a jurados, onde eles ainda existam.
E o mesmo deve acontecer num processo cível, ainda que sem a referên-
cia da presunção de inocência, o que, por certo, complica mais as coisas. Num
processo cível surgirão várias hipóteses que parecerão razoáveis. O juiz deve
escolher aquela que possa fundamentar melhor, sem dever preferir por defeito
uma opção que beneficie uma das partes. No processo penal essa preferência
deve existir como modo de compensar a desigualdade existente a desfavor do
réu, devido ao enorme poder de investigação do Estado - em particular da po-
lícia - que pode facilmente transformar um inocente em culpado. E também
para combater o enorme preconceito social de culpabilidade que sofre toda a
população humana, e é essa a principal razão da existência da presunção de
inocência
125
.
Consequentemente, na minha opinião, é conveniente evitar a lógica dos
standards da prova. Eles foram projetados, primeiro, para controlar os juízes
e, posteriormente, sobretudo para orientar os jurados. Mas nem aqueles alcan-
çaram uma melhor justiça, nem estes conseguiram possuir o empirismo neces-
sário para serem considerados verdadeiramente científicos, além de uma pos-
sível virtualidade na orientação do comportamento de um juiz
126
. Muito pelo
contrário, é melhor encarar a realidade e suas múltiplas facetas tal como ela
é, escolhendo aquela que o juiz possa justificar que seja mais razoável. Pouco
mais - e não é pouco - pode ser feito.
125
NIEVA FENOLL, La duda en el proceso penal, Madrid 2013, págs. 75 e segs.
126
DEMOUGIN, D. / FLUET, C., Deterrence vs. Judicial Error: A Comparative View of Stan-
dards of Proof, Journal of Institutional and Theoretical Economics, 161, 2005, págs. 193 e segs.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 97 08/11/2022 11:00:47
Jordi Nieva-Fenoll
98 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
4. As razões do sistema de prova legal.
Alguns dos fundamentos do sistema de prova legal foram já avançados, e
foi já sumariamente explicado como funcionava esse absurdo cenário probató-
rio. Mas aprofundar a reflexão sobre as razões de tal sistema – que certamente
as tinha.
Embora habitualmente não tenha sido dito desta forma, quando se ana-
lisa as resistências doutrinais durante o século XIX à supressão do sistema de
prova legal
127
, sobretudo no processo civil, percebe-se claramente quais foram
as razões pelas quais a doutrina concebeu um sistema em que o juiz não podia
introduzir factos no processo, não podia ser pró-ativo com as alegações das
partes e não podia valorar as provas livremente.
Com efeito, no século XIX, os advogados temiam perder o controlo dos pro-
cessos. Ainda hoje muitos temem isso quando ouvem falar de produção oficiosa
de prova. Pois bem, esse temor era perfeitamente justificado no século XII
128
. Os
juízes eram meros delegados do poder político. Por conseguinte, não tinham in-
dependência, para além de que a sua preparação era muito precária, basicamente
o que se esperava deles era o mesmo que de um jurista antes do surgimento das
Universidades e, sobretudo, de alguém que era nomeado pelo poder político, o
que faz pensar neles como um “amigo” ou protegido, isto é, um inapto. Os pri-
meiros juristas universitários da história não podiam confiar em alguém assim, e
muito menos os podiam encarregar de resolver as controvérsias comerciais típicas
da sua classe, que não era a da nobreza ou a da realeza que havia nomeado o juiz.
Por esse motivo, projetaram um sistema em que o juiz tinha de tra-
balhar o mínimo possível. Ele não podia usar a sua intuição ou consciência,
nem tampouco o seu conhecimento particular dos factos, mas só podia julgar
secundum allegata et probata (partium). Assim nasceu o princípio do dispositi-
vo
129
, do qual emanou mais tarde o princípio da responsabilidade das partes
(Verhandlungsmaxime)
130
. Não lhe era também permitido ir ultra petta partium.
No fundo, trata-se de uma expressão medieval do direito de defesa. Nesse con-
texto as partes podiam atacar-se e defender-se sem que o juiz interferisse ou
tomasse posição por uma ou por outra. E assim conseguiram, além de garantir
127
Vid. GNEIST, Rudolph, Die Bildung der Geschworenengerichte in Deutschland, Berlin 1849,
pág. 62. BÄHR, Otto, Die Grenzen der freien Beweistheorie, en: Jahrbücher für die Dogmatik des heuti-
gen römischen und deutschen Privatrechts, T. 25 (1887), pág. 413. HEUSLER, Andreas, Die Grundla-
gen des Beweisrechts, AcP nº 62 (1879), pág. 305.
128
Explico-o em NIEVA FENOLL, “La actuación de oficio del juez nacional europeo”, cit.
129
JAUERNIG / HESS, Zivilprozessrecht, cit., pág. 93. ROSENBERG, Leo / SCHWAB, Karl
Heinz / GOTTWALD, Peter, Zivilprozeßrecht, cit., págs. 425 e segs. SERRA DOMÍNGUEZ, Manuel,
Liberalización y socialización del proceso civil, RDProc, 1972, pág. 520. ETXEBERRIA GURIDI, José Fran-
cisco, Las facultades judiciales en materia probatoria en la LEC, Valencia 2003, págs. 31 e segs.
130
JAUERNIG / HESS, Zivilprozessrecht, cit. pág. 97.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 98 08/11/2022 11:00:48
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 99
o direito de defesa, um juiz independente e imparcial.
Mas mesmo que o juiz não interferisse no que as partes alegavam e jun-
tavam como prova, poderia sempre retirar do controlo dos litigantes sobre o
objeto do julgamento, ao apreciar livremente as provas. Foi precisamente isto
que impediu o sistema de prova legal. Só se daria como provado o que dissesse
a lei, através da plena probatio. Tudo o resto seria uma prova imperfeita, ou seja,
a semiplena probatio, que era claramente passível de livre apreciação, embora,
em geral, os juízes se limitassem a “pesar” esta prova
131
.
Não obstante, entrou em jogo outro fator que, ainda hoje, é observado
em alguns lugares onde a prova legal é preservada e que, de facto, explica as
decisões de não poucos funcionários públicos e às vezes também privados: a
minimização do ónus cognitivo
132
, ou lei do menor esforço. Essa “lei” dita que,
do ponto de vista da decisão, o ser humano tende a adotar aquela que lhe custa
menos esforço cognitivo. Efetivamente, o sistema legal era um sistema real-
mente fácil de aplicar na prática. Bastava somar os testemunhos, tomar declara-
ções ajuramentadas e verificar se um documento é público. Não é de estranhar
que este sistema tenha levado ao absentismo dos juízes, já que os mesmos não
faziam a mínima falta. Na realidade, o juiz passou a ser o que, em demasiadas
coisas, ainda hoje é. Um sujeito com uma aura de autoridade que simplesmente
assina o trabalho mecânico feito pelos seus funcionários judiciais.
Não é de estranhar que vários autores tenham querido que o sistema mu-
dasse para que os juízes, pelo seu próprio senso comum, sancionassem a reali-
dade à margem das injustiças das provas legais. O próprio VOLTAIRE
133
foi um
dos mais destacados autores contra o sistema e que, por isso, lançou as bases
para a mudança.
5. As razões do sistema de livre apreciação da prova.
BENTHAM foi provavelmente aquele que feriu de morte o sistema de pro-
va legal
134
. A justificação era muito simples: é um sistema contrário à lógica,
131
Novamente, JAUMAR y CARRERA, Práctica forense, cit., pág. 48.
132
GARNHAM, Alan / OAKHILL, Jane, Manual de psicología del pensamiento, trad. de Eva
JUARROS DAUSSÁ de la obra Thinking and reasoning de 1994, Barcelona 1996, pág. 288.
133
VOLTAIRE, (François-Marie Arouet), Oeuvres complètes de Voltaire, t. XXXVI, Politique et lé-
gislation, vol. 4, Bruselas 1829, págs. 104 e segs.
134
BENTHAM, Traité, cit., pág. 9. “…on remonte à l’origine de ces règles si gênantes et si peu
raisonnables, de cette variété de tribunaux qui ont chacun leur système et qui multiplient si étran-
gement les questions de compétence, de ces fictions puériles qui mêlent sans cesse l’oeuvre du men-
songe à la recherche de la vérité. L’histoire de cette jurisprudence est le contraire de celle des autres
sciences: dans les sciences, on va toujours en simplifiant les procédés de ses prédécesseurs; dans la
jurisprudence, on va toujours en les compliquant davantage. Les arts se perfectionnent en produisant
plus d’effets par des moyens plus faciles; la jurisprudence s’est détériorée en multipliant les moyens
Jordi Nieva-Fenoll.indd 99 08/11/2022 11:00:48
Jordi Nieva-Fenoll
100 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
sem mais. Não podia ser que num caso específico toda a gente visse racional-
mente uma determinada realidade e, por sua vez, a justiça fosse apartada dessa
realidade por força do sistema de valoração legal. É provável que venha daí a
perceção social de incompreensão relativamente às decisões dos juízes, foi o
momento em que, sem dúvida, se criou a ideia de que uma coisa era a verdade e
outra era o que os juízes declaravam. Os conceitos de verdade formal e verdade
material, que descreviam graficamente o antigo e o novo sistema respetivamen-
te, trataram precisamente de desautorizar o sistema legal
135
, ainda que tivessem
sido posteriormente tão mal interpretados.
Portanto, o objetivo era desmontar o sistema. Dispensada a valoração le-
gal, automaticamente deve cair também a ideia de que as partes devem forne-
cer ao processo as provas que as favoreçam, abrindo-se caminho ao princípio
da aquisição processual e deixando de fazer sentido o ónus subjetivo da prova.
E se, como vimos, o ónus objetivo em última análise se centra numa questão de
pura valoração racional, o conceito de ónus objetivo deve também cair. Assim
se supera, por completo, o conceito de ónus da prova.
Começa-se inclusivamente a apontar ao passo seguinte, que consiste em aca-
bar de desmontar o secundum allegata et probata, abrindo a porta à produção de
prova oficiosa, e atribuindo-se ao juiz uma confiança que ele não tinha no passa-
do. Todas os passos acima foram ou são controversos, mas este último em particu-
lar despertou uma reação doutrinal exagerada
136
, que obscureceu a intenção sub-
jacente: que o sistema de livre valoração possa manifestar todos os seus efeitos.
Em Direito é sempre muito custoso e arriscado lutar contra a tradição,
mas é obrigatório fazê-lo se esta seguir parâmetros absurdos. O problema é
que, quando um sistema é desmontado, deve ser construída uma alternativa
razoável, e foi nisso que falharam todos os tratadistas do século XIX, e os de boa
parte do século XX. Eles provavelmente estavam tão confiantes no Império da
Razão que assumiram que este iria prevalecer por si só. Não foi assim. Os juízes
foram usando expressões como “íntima convicção”, “crítica sã” ou “máximas
de experiência”, simplesmente para encobrirem com uma bela frase o uso da
sua própria intuição. Há que reconhecer que foram deixados numa situação
et en diminuant les effets.”
135
BUSCH, Der zwiespalt der deutschen Gesetzgebungen, cit. pág. 65. ENDEMANN, Wilhelm,
Die Folgen freier Beweisprüfung im Civilprozesse, AcP nº 41(1858), pág. 324.
136
ENDEMANN, Die Folgen freier Beweisprüfung im Civilprozesse, cit., págs. 289 e segs. WACH,
Adolf, Der Entwurf einer deutschen Civilprozeßordnung, Kritische Vierteljahresschrift für Gesetzge-
bung und Rechtswissenschaft vol. 14 1872, págs. 331 e segs. VON CANSTEIN, Raban Freiherr, Die
Grundlagen des Beweisrechts, ZZP nº 2 (1880), pág. 351. CAVALLONE, Bruno, En defensa de la verifobia,
em: “CAVALLONE / TARUFFO, Verifobia, un diálogo sobre prueba y verdad, Lima 2010, pág. 31.
MONTERO AROCA, Juan (con Gómez Colomer y Barona Vilar), Derecho jurisdiccional, I, Valencia
2012, pág. 266. ALVARADO VELLOSO, Adolfo, La prueba judicial, Valencia 2006, pág. 25. CIPRIANI,
El proceso civil entre viejas ideologías y nuevos eslóganes, in MONTERO AROCA (coord.), Proceso civil e
ideología. Un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos, Valencia, 2006, pág. 93.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 100 08/11/2022 11:00:48
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 101
delicada. Do confortável sistema de valoração legal, foram subitamente deixa-
dos sem nada. E, para além disso, era-lhes exigido que motivassem as decisões.
Tardaram a chegar as tentativas de os orientar. Os standards probatórios,
pura reminiscência mimética do sistema legal, não serviram de muito, mas pelo
menos colocaram o objetivo no lugar certo, o raciocínio judicial, transformando
corretamente o problema numa questão epistemológica, facto que deu origem
a trabalhos de processualistas com profunda formação filosófica, como Michele
TARUFFO
137
, ou diretamente de filósofos do Direito
138
. Eles ajudaram a centrar
o problema na sua justa dimensão e puseram em cima da mesa as carências
estruturais do sistema.
Essas carências são o problema atual da livre apreciação. Começa-se a as-
sumir o reconhecimento de que, para apreciar a prova, é preciso sair do Direito
e olhar para a ciência
139
. Assim, a psicologia do testemunho
140
tem sido uma fer-
ramenta essencial nas provas por interrogatório, ou a semiótica textual nos está
a ajudar a interpretar corretamente os documentos, para além da sua leitura.
Tendo-se progredido consideravelmente em matéria de raciocínio proba-
tório, com resultados muito tangíveis, em minha opinião
141
, o problema atual
mais premente da apreciação da prova centra-se na prova pericial. Pedimos a
um não especialista - o juiz - que aprecie o trabalho de um especialista: o perito.
É mais ou menos o mesmo que pedir a um biólogo que aprecie uma sentença
judicial. Daubert ajudou-nos a colocar esse verdadeiro absurdo nas trilhas da
racionalidade, mas ainda há muito a fazer.
Seja como for, chegámos ao império da livre apreciação da prova, o que
nos obriga a libertar de todos os laços do passado: standards probatórios, ónus
da prova e uma visão demasiado estrita do princípio de aportação de parte. O
resultado processual que isso causará terá efeitos futuros, e será afetado por
outros fatores relevantes, incluindo a tecnologia
142
. Em todo o caso, especial-
mente com esta última, será necessário ter muito cuidado para não se trocar a
racionalidade por cálculos estatísticos tendenciosos e obscurantistas. O império
da razão foi uma conquista social. Seria bom não o perder.
137
Entre muitos outros trabalhos, TARUFFO, Michele, La motivazione della sentenza civile, Pado-
va 1970. TARUFFO, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán de “la prova dei fatti
giuridici, milano 1992, Madrid 2002.
138
Nomeadamente, por, LAUDAN, L., Truth, error and criminal law: an essay in legal episte-
mology, New York 2006. HAACK, S., Evidence Matters, New York 2014. GASCÓN ABELLÁN, M.,
Los hechos en el Derecho. Bases argumentales de la prueba, Madrid 2004. FERRER BELTRÁN, J.,
La valoración racional de la prueba, Madrid 2007. FERRER BELTRÁN, Jordi, Prueba y verdad en el
derecho, Madrid 2005.
139
É a abordagem que segui em NIEVA FENOLL, La valoración de la prueba, Madrid 2010.
140
MANZANERO, A. L., Psicología del testimonio, Madrid 2008.
141
NIEVA FENOLL, “Repensando Daubert: la paradoja de la prueba pericial”, en AAVV, Peri-
taje y prueba pericial, Barcelona 2017, págs. 85 e segs.
142
NIEVA FENOLL, Inteligencia artificial y proceso judicial, Madrid 2018, págs. 79 e segs.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 101 08/11/2022 11:00:48
Jordi Nieva-Fenoll
102 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
Bibliografía
ACCURSIUS, e.a. (1604), Corporis Iustinianaei Digestum Vetus, seu Pandectarum, Vol. 6,
Lyon, p. 17.
Tomás-Javier ALISTE SANTOS (2011), La motivación de las resoluciones judiciales,
Marcial Pons, Madrid.
Tomás-Javier ALISTE SANTOS (2010), “Relevancia del concepto canónico de “certeza
moral” para la motivacion judicial de la “quaestio facti” en el proceso civil”, Ius ecclesiae, Vol.
22, n. 3, pp. 651 e segs.
Adolfo ALVARADO VELLOSO (2006), La prueba judicial, Tirant lo Blanch, Valencia.
Vincenzo ANSANELLI (2011), La consulenza tecnica nel processo civile, Giuffrè, Milano.
Ferrucio AULETTA (2002), Il procedimento di istruzione probatoria mediante consulente
tecnico, CEDAM Padova.
AZZONE (o AZO o AZÓN) (1567), Brocardica (aurea). sive generalia iuris, Basilea, rú-
brica XX, p. 23.
AZZONE (1581), Summa Azonis, Venecia, lib. III.
Otto BÄHR (1887), Otto, „Die Grenzen der freien Beweistheorie“, Jahrbücher für die
Dogmatik des heutigen römischen und deutschen Privatrechts, T. 25, pp. 413 e segs.
V.C. BALL (1961), “The Moment of the Truth: Probability Theory and Standards of
Proof”, 14 Vanderbilt Law Review, vol. 14, pp. 830 e segs.
L. BAR (1867), Recht und Beweis im Zivilprozesse, Leipzig, pp. 46 e segs.
Rolf BENDER / Armin NACK, / Wolf-Dieter TREUER (2007), Tatsachenfeststellung vor
Gericht, C.H. Beck, München 2007.
Rolf BENDER /Armin NACK (1980), „Grundzüge einer Allgemeinen Beweislehre“,
Deutsche Richterzeitung, pp. 121 e segs.
Jérémie BENTHAM (1823), Traité des preuves judiciaires, Paris, t. II.
Chiara BESSO-MARCHEIS (2015), “La vicinanza della prova”, Revista Eletrônica de
Direito Procesual, v. 16, pp. 93 e segs. En: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/
redp/article/view/19962/14303.
F. BEX / D. WALTON (2012), “Burdens and standards of proof for inference to the best
explanation: three case studies”, Law, Probability and Risk 11, pp. 118 e segs.
William BLACKSTONE (1776), Commentaires sur les loix angloises, traduits de l’Anglois
par Auguste-Pierre Damiens de Gomicourt sur la quatrieme edition d’Oxford, t. V, Bruselas.
William BLACKSTONE (1794), Commentaries on the Laws of England, III, London.
M. BRINKMANN (2005), Das Beweismaß im Zivilprozess aus rechtsvergleichender Sicht,
Carl Heymanns, Köln.
Bruno CAVALLONE (2010), “En defensa de la verifobia”, en CAVALLONE /
TARUFFO, Verifobia, un diálogo sobre prueba y verdad, Palestra, Lima, pp. 31 e segs.
Franco CIPRIANI, “El proceso civil entre viejas ideologías y nuevos eslóganes”, en
MONTERO AROCA (coord.), Proceso civil e ideología. Un prefacio, una sentencia, dos cartas y
quince ensayos, Tirant lo Blanch, Valencia, 2006, pp. 93 e segs.
K.M. CLERMONT (2009), “Standards of Proof Revisited”, Cornell Law Faculty
Publications, 13, pp. 469 e segs.
K.M. CLERMONT / E. SHERWIN (2002), “A Comparative View of Standards of
Proof”, American Journal of Comparative Law 50, n. 2, primavera, pp. 243 e segs.
K.M. CLERMONT, (2018), “Staying Faithful to the Standards of Proof”, Cornell Legal
Studies Research Paper, n. 18-45, p. 2 e segs.
Lawrence Jonathan COHEN (1977), The probable and the provable, Oxford University
Press, Oxford.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 102 08/11/2022 11:00:48
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 103
Giuseppe CHIOVENDA (1923), Principi di Diritto Processuale, 3ª ed. Napoli.
Andrew L-T CHOO, (2009), Evidence, Oxford University Press, Oxford.
Elena D’ALESSANDRO (2018), “Onere della prova e legge applicabile”, Giurisprudenza
italiana, Nov., p. 2546 e segs.
Gaspare DALIA (2018), Convincimento giudiziale e ragionevole dubbio, CEDAM, Milano.
Francis C. DANE (1985), “In Search of Reasonable Doubt”, Law and Human Behavior,
vol. 9, n. 2, pp. 142 e segs.
Martino DE FANO (1584), “Negativa qualiter probanda”, en: “AAVV, Tractatus illus-
trium in utraque tum Pontificii, tum Caesarei iuris facultate Iurisconsultorum, De Probationibus,
T. IV, Venecia, pág. 12, n. 3 (“Probandi facilitas transmittit onus probationis. Legitimatio
personae standi in iudicio per quem probanda”).
Bertrand DE LA TOUR (1776), Oeuvres, Colonia.
José DE VICENTE Y CARAVANTES (1856), Tratado histórico, crítico filosófico de los pro-
cedimientos judiciales en materia civil según la nueva Ley de Enjuiciamiento, Madrid.
M.L. DEKAY (1996), “The difference between Blackstone-Like Error Ratios and
Probabilistic Standards of Proof”, Law and Social Inquiry, 21, n. 1, pp. 97 e segs.
D. DEMOUGIN / C. FLUET (2005), “Deterrence vs. Judicial Error: A Comparative
View of Standards of Proof”, Journal of Institutional and Theoretical Economics, 161, pp. 193 e
segs.
DENNIS (2013), The Law of Evidence, Sweet & Maxwell, London.
Jonathan DOAK / Claire MCGOURLAY (2009), Criminal evidence in context, Routledge-
Cavendish, London – New York.
Angelo DONDI (1996), “Paradigmi processuali ed ‘expert witness testimony’ nel dirit-
to statunitense”, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, pp. 261 e segs.
Guilielmus DURANTIS (1602), Speculum iuris, Venecia, lib. I.
Wilhelm ENDEMANN (1858), „Die Folgen freier Beweisprüfung im Civilprozesse“,
AcP nº 41(1858), pp. 324 e segs.
Ramon ESCALER BASCOMPTE (2017), La carga de la prueba, Atelier, Barcelona.
José Francisco ETXEBERRIA GURIDI (2003), Las facultades judiciales en materia probato-
ria en la Ley de Enjuiciamiento Civil, Tirant lo Blanch, Valencia 2003.
David L. FAIGMAN (2013), “The Daubert Revolution and the Birth of Modernity:
Maniging Scientific Evidence in the Age of Science”, Legal Studies Research Paper Series, n.
19, 46 UC Davis Law Review, p. 104.
Jordi FERRER BELTRÁN (2018), “Prolegomena to a theory on standards of proof. The
test case for State liability for wrongful pre-trial detention”, inédito, pp. 19 e segs.
Jordi FERRER BELTRÁN (2007), La valoración racional de la prueba, Marcial Pons,
Madrid.
Jordi FERRER BELTRÁN (2005), Prueba y verdad en el derecho, Marcial Pons, Madrid.
Lisa R. FOURNIER (2016), “The Daubert Guidelines: Usefulness, Utilization, and
Suggestions for Improving Quality Control”, Journal of Applied Research in Memory and
Cognition, 5, pp. 308 e segs.
Alan GARNHAM / Jane OAKHILL (1996), Manual de psicología del pensamiento, trad.
de Eva Juarros Daussá de la obra Thinking and reasoning de 1994, GBS Grupo Planeta,
Barcelona.
B. GARNOT (2010), “Voltaire et la justice d’ancien régime: la médiatisation d’une im-
posture intellectuelle”, Nouveau Monde Éditions, n. 15, p. 29.
Daniel B. GARRIE (2014), “Digital Forensic Evidence in the Courtroom: Understanding
Content and Quality”, Northwestern Journal of Technology and Intellectual Property, vol. 12,
2014, 2, pp. 122 e segs.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 103 08/11/2022 11:00:48
Jordi Nieva-Fenoll
104 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
Marina GASCÓN ABELLÁN (2005), “Sobre la posibilidad de formular estándares de
prueba objetivos”, DOXA, Cuadernos de Filosofía del Derecho, 28, pp. 137 e segs.
Marina GASCÓN ABELLÁN (2004), Los hechos en el Derecho. Bases argumentales de la
prueba, Marcial Pons, Madrid.
M. GINTHER / E.K. CHENG (2018), “Surprise vs. Probability as a Metric for Proof”,
Seton Hall Law Review 48, n. 4, pp. 1081 e segs.
Julius GLASER (1883), Handbuch des Strafprozesses, vol. I, 1883.
Rudolph GNEIST (1849), Die Bildung der Geschworenengerichte in Deutschland, Berlin.
Daniel GONZÁLEZ LAGIER (2020), “Prueba y argumentación. ¿Es posible formular
un estándar de prueba preciso y objetivo? Algunas dudas desde un enfoque argumentativo
de la prueba”, Revista Telemática de Filosofía del Derecho, n. 23, pp. 91 e ss.
Thomas F. GORDON / Douglas WALTON (2011), “A formal model of legal proof stan-
dards and burdens”, em EMEREN, F.H. van (Ed.); GARSSEN, B. (Ed.); GODDEN, D. (Ed.);
MEUFFELS, B. (Ed.); International Society for the Study of Argumentation -ISSA-:7th Conference
of the International Society for the Study of Argumentation 2010. Proceedings: Amsterdam, June
29 to July 2, 2010, Sic Sac, Amsterdam, pp. 644 e segs.
Peter GOTTWALD (2000), „Das relative Beweismaß im englischen und deutschen
Zivilprozeß“, FS Henrich, pp. 165 e segs.
Ulrike GRÄFE (2011), Leo Rosenberg – Leben und Wirken (1879-1963), Duncker &
Humblot, Berlin, pp. 46 e segs.
Wolfgang GRUNSKY (2003), Zivilprozessrecht, Luchterhand, Bielefeld.
A. GUERRA / B. LUPPI / F. PARISI (2019), “Standards of Proof and Civil Litigation: A
Game-Theoretic Analysis”, The B.e. Journal of Thworetical Economics, pp. 2 e segs.
Susan HAACK (2014), Evidence Matters, Cambridge, New York.
Andreas HEUSLER (1879), „Die Grundlagen des Beweisrechts“, AcP nº 62, pp. 305 e
segs.
Othmar JAUERNIG / Burkhard HESS (2011), Zivilprozessrecht, C.H. Beck, München.
Joaquín JAUMAR y CARRERA (1840), Práctica forense, Barcelona.
Philip N. JOHNSON-LAIRD (1994), “Mental Models and Probabilistic Thinking”,
Cognition, 50, pp. 191 e segs.
D.K. KAGEHIRO / C. STANTON (1985), “Legal vs. Quantified Definitions of
Standards of Proof”, Law and Human Behavior, vol. 9, n. 2, pp. 160 e segs.
Max KASER / Karl HACK (1996), Das römische Zivilprozessrecht, C.H. Beck, München.
Adrian KEANE (2000), The modern law of evidence, Butterworths, Oxford.
Josef KOHLER (con HOLTZENDORFF) (1904), Encyclopädie der Rechtswissenschaft, vol.
3, Leipzig, pp. 315 e segs.
Federico LARA PEINADO (1997), Código de Hammurabi, Tecnos. Madrid.
Larry LAUDAN (2006), Truth, error and criminal law: an essay in legal epistemology,
Cambridge University Press, New York.
Larry LAUDAN (2018), “Different Strokes for Different Folks: Fixing the Error Pattern
in Criminal Prosecutions by Empiricizing the Rules of Criminal Law and Taking False
Acquittals and Serial Offenders Seriously”, Seton Hall Law Review 48, n. 4, pp. 1243 e segs.
Hans-Willi LAUMEN (2009), „Grundbegriffe der Beweislast“, en BAUMGÄRTEL /
LAUMEN / PRÜTTING, Handbuch der Beweislast, Heymanns, München, pp. 42 e segs.
Dieter LEIPOLD (1985), Beweismaß und Beweislast im Zivilprozeß, De Gruyter, Berlin.
Dieter LEIPOLD (1997), Comentario al §286 ZPO, em STEIN/JONAS, Kommentar zur
ZPO, Mohr Siebeck, Tübingen, pp. 527 e segs.
Carlo LESSONA (1928), Teoría general de la prueba en Derecho Civil, Parte General, Trad.
de Enrique Aguilera de Paz, Madrid.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 104 08/11/2022 11:00:48
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 105
L. LOEVINGER (1992), “Standards of Proof in Science and Law”, Jurimetrics Journal,
32, n. 3, pp. 328 e segs.
Wolfgang LÜKE (2011), Zivilprozessrecht, C.H. Beck, München.
Joaquín LLOBELL TUSET (1998), “La certezza morale nel processo canonico matrimo-
niale”, em Il Diritto Ecclesiástico, 109/1, págsp. 771 e segs.
S. MAGNUSSEN / D.E. EILERTSEN / K.H. TEIGEN / E. WESSEL (2014), “The
Probability of Guilt in Criminal Cases: Are People Aware of Being ‘Beyond Reasonable
Doubt’?”, Applied Cognitive Psychology, 28, pp. 196 e segs.
Antonio L. MANZANERO PUEBLA (2008), Psicología del testimonio, Pirámide, Madrid.
Gian Antonio MICHELI (1966), L’onere della prova, CEDAM, Padova 1966.
Manuel MIRANDA ESTRAMPES (2019), Prueba ilícita y regla de exclusión en el sistema
estadounidense. Crónica de una muerte anunciada, Marcial Pons, Madrid.
Juan MONTERO AROCA (2012), (con GÓMEZ COLOMER y BARONA VILAR),
Derecho jurisdiccional, I, Tirant lo Blanch, Valencia.
Juan MONTERO AROCA (2005), La prueba en el proceso civil, Aranzadi, Cizur Menor.
Lluís MUÑOZ SABATÉ (1993), Técnica probatoria, 3ª ed., Bosch, Barcelona.
Lluís MUÑOZ SABATÉ (1967), Técnica probatoria, Bosch, Barcelona.
Peter MURPHY (2005), Murphy on evidence, Oxford University Press, Oxford.
Hans-Joachim MUSIELAK (2002), Grundkurs ZPO, C.H. Beck, München.
Jordi NIEVA FENOLL (2016), “El mal nombre del principio inquisitivo”, en La ciencia
jurisdiccional: novedad y tradición, Madrid 2016, pp. 30 e segs.
Jordi NIEVA FENOLL (2019), “La actuación de oficio del juez nacional europeo”,
Diario La Ley, n. 9000, 14-6-2017, traducido al italiano em NIEVA FENOLL, “I poteri d’ufficio
del giudice nazionale europeo”, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 4, 2019, pp.
1223 e segs.
Jordi NIEVA FENOLL (2019), “La carga de la prueba: una reliquia histórica que de-
biera ser abolida”, em NIEVA / FERRER / GIANNINI, Contra la carga de la prueba, Marcial
Pons, Madrid 2019, pp. 25 e segs.
Jordi NIEVA FENOLL (2016), “Los sistemas de valoración de la prueba y la carga
de la prueba: nociones que precisan revisión”, em La ciencia jurisdiccional: novedad y tradi-
ción, Marcial Pons, Madrid 2016, págs. 268 e segs., traducido al alemán em NIEVA FENOLL,
“Beweislast und Beweiswürdigung: Begriffe, die einer Überprüfung bedürfen”, Zeitschrift
für Zivilprozess International, 13, 2008, pp. 297 e segs.
Jordi NIEVA FENOLL (2017), “Repensando Daubert: la paradoja de la prueba peri-
cial”, em AAVV, Peritaje y prueba pericial, Bosch, Barcelona, pp. 85 e segs.
Jordi NIEVA FENOLL (2019), Derecho procesal II. Proceso civil, Tirant lo Blanch, Valencia.
Jordi NIEVA FENOLL (2018), Inteligencia artificial y proceso judicial, Marcial Pons
Madrid.
Jordi NIEVA FENOLL (2007), Enjuiciamiento prima facie, Atelier Barcelona.
Jordi NIEVA FENOLL (2013), La duda en el proceso penal, Marcial Pons, Madrid.
Jordi NIEVA FENOLL (2010), La valoración de la prueba, Marcial Pons, Madrid.
Knut Wolfgang NÖRR (1967), Zur Stellung des Richters im gelehrten Prozeß der Frühzeit:
Iudex secundum allegata non secundum conscientiam iudicat, München 1967.
Knut Wolfgang NÖRR (2012), Romanisch-kanonisches Prozessrecht, Springer, Berlin.
Guillermo ORMAZABAL SÁNCHEZ (2011), Discriminación y carga de la prueba en el
proceso civil, Marcial Pons, Madrid.
Manuel ORTIZ DE ZÚÑIGA (1856), Práctica general forense, T. II, Madrid.
M. S. PARDO (2018), “Epistemology, psychology, and standards of proof: An essay on
risinger’s surprise theory”, Seton Hall Law Review, 48(4), pp. 1039 e segs.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 105 08/11/2022 11:00:48
Jordi Nieva-Fenoll
106 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
M. PEČARIČ / T. KOZJEK, “From rational to more rational standards of proof”,
International Journal of Public Policy, Enero 2016, pp. 115 e segs.
Jorge W. PEYRANO (2008), Cargas probatorias dinámicas, Rubinzal-Culzoni, Buenos
aires.
Petra POHLMANN (2014), Zivilprozessrecht, C.H. Beck, München.
H. PRAKKEN / G. SARTOR (2009), “A Logical Analysis of Burdens of Proof”. en
KAPTEIN, H. / PRAKKEN, H. /VERHEIJ, B. (Eds.), Legal Evidence and Proof: Statistics,
Stories, Logic, Farnham, pp. 223 e segs.
Hanns PRÜTTING (2010), “Carga de la prueba y estándar probatorio: la influencia de
Leo Rosenberg y Karl Heinz Schwab para el desarrollo del moderno Derecho probatorio”,
Revista Ius et Praxis, n. 1, pp. 457 e segs.
M. REDMAYNE (1999), “Standards of Proof in Civil Litigation”, Modern Law Review
62, no. 2, Marzo, pp. 167 e segs.
D. RISINGER (2018), “Leveraging surprise: What standards of proof imply that we
want from jurors, and what we should say to them to get it”, Seton Hall Law Review, 48(4),
pp. 965 e segs.
Leo ROSENBERG / Karl Heinz SCHWAB / Peter GOTTWALD (2018), Zivilprozeßrecht,
C.H. Beck München.
Leo ROSENBERG (1923), Die Beweislast, Otto Liebmann, Berlin.
Leo ROSENBERG (1929), Lehrbuch des Deutschen Zivilprozeßrechts, Otto Liebmann,
Berlin.
Inge SCHERER (1996), Das Beweismaß bei der Glaubhaftmachung, Heymanns, Köln.
Eberhard SCHILKEN (2006), Zivilprozessrecht, Heymanns, München.
Mark SCHWEIZER (2015), Beweiswürdigung und Beweismaß, Mohr Siebeck, Tübingen.
Manuel SERRA DOMÍNGUEZ (1972), “Liberalización y socialización del proceso ci-
vil”, RDProc, pp. 520 e segs.
Manuel SERRA DOMÍNGUEZ (1991), “Comentarios”, en AAVV, Comentarios al
Código Civil y compilaciones forales (dirigidos por ALBALADEJO), Madrid 1991, tomo XVI,
vol. 2, pp. 66 e segs.
P. SUNDELIN (1860), Die Staats-Anwaltschaft in Deutschland, Anklam.
Michele TARUFFO (2012), “La valutazione delle prove”, em AAVV (dir. TARUFFO), La
prova nel processo civile, Milano, na serie CICU / MESSINEO / MENGONI / SCHLESINGER,
Trattato di Diritto civile e commerciale, pp. 249 e segs.
Michele TARUFFO (2003), “Rethinking the Standards of Proof”, American Journal of
Comparative Law 51, n. 3 verano, pp. 659 e segs.
Michele TARUFFO (2017), “Prova scientifica e giustizia civile”, em AAVV,
Giurisprudenza e scienza, Roma, pp. 241 e segs.
Michele TARUFFO (1975), La motivazione della sentenza civile, CEDAM, Padova.
Michele TARUFFO (2002), La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán de “la
prova dei fatti giuridici”, Milano 1992, Trotta, Madrid 2002.
Michele TARUFFO (1970), Studi sulla rilevanza della prova, CEDAM Padova.
F.E. VARS (2010), “Toward general theory of standards of proof”, Catholic University
Law Review, 60 (1), pp. 2 e segs.
Carmen VÁZQUEZ (2015), De la prueba científica a la prueba pericial, Marcial Pons,
Madrid 2015.
VOLTAIRE, (François-Marie Arouet) (1829), Oeuvres complètes de Voltaire, t. XXXVI,
Politique et législation, vol. 4, Bruselas 1829, pp. 104 e segs.
Raban Freiherr VON CANSTEIN (1880), „Die Grundlagen des Beweisrechts“, ZZP n.
2, pp. 351 e segs.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 106 08/11/2022 11:00:48
Ónus da prova e standards de prova, p. 75-108
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 107
Adolf WACH (1925), “Rez. Rosenberg, Beweislast, 2. Auflage“, Juristische Wochenschrift,
54, p. 722.
Adolf WACH (1901), „Beweislast nach dem BGB“, ZZP, 29, pp. 363 e segs.
Adolf WACH (1872), „Der Entwurf einer deutschen Civilprozeßordnung“, Kritische
Vierteljahresschrift für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft, vol. 14 1872, pp. 331 e segs.
Adolph Dieterich WEBER (1805), Ueber die Verbindlichkeit zur Beweisführung im
Civilprozeß, Halle.
James Q. WHITMAN (2005), The origins of reasonable doubt, Yale University Press, New
Haven y London.
John Henry WIGMORE (1905), A Treatise on the System of Evidence in Trials at Common
Law, vol. IV, Little Brown, Boston.
Jordi Nieva-Fenoll.indd 107 08/11/2022 11:00:48