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APONTAMENTO SOBRE A RELEVÂNCIA DE UM DIREITO
INTERNO DE PROTEÇÃO DIPLOMÁTICA
PARA O DIREITO INTERNACIONAL
NOTE ON THE RELEVANCE OF A DOMESTIC LAW OF DIPLOMATIC
PROTECTION FOR INTERNATIONAL LAW
Eduardo Pimentel de Farias
1
DOI: https://doi.org/10.34628/craq-hm98
Resumo: A proteção diplomática é recebida pelo ordenamento internacional
como um direito do Estado sem dever correlato. Isso significa que o Estado de
nacionalidade não está obrigado a intervir em favor do cidadão lesado no estrangeiro.
Uma parcela da doutrina considera, contudo, que a proteção diplomática poderia
ser, ao mesmo tempo, um direito e uma obrigação do Estado. É certo, porém, que
o legislador nacional pode impor ao Estado a obrigação de proteger seu cidadão
no estrangeiro. Nesse caso, nasce para o Estado um verdadeiro dever de proteção
diplomática e para o particular um direito de exigir que tal obrigação seja respeitada.
Utilizando-se do método hipotético dedutivo, esse trabalho pretende analisar
brevemente o conteúdo da previsão doméstica do direito à proteção diplomática.
Nós acreditamos que o reconhecimento interno de um direito individual à proteção
do cidadão no estrangeiro, ainda que imperfeito, deve ser considerado como
relevante para a criação de normas internacionais.
Palavras-chave: Proteção diplomática; Direito; Dever; Previsão doméstica;
Relevante.
Abstract: Diplomatic protection is received by the international order as a right
of the State without a related duty. This means that the State of nationality is not
obliged to intervene on behalf of the injured citizen abroad. A part of the doctrine
considers, however, that diplomatic protection could be, at the same time, a right
1
Doutor em Direito.
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Eduardo Pimentel de Farias
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and an obligation of the State. It is true, however, that the national legislator can
impose on the State the obligation to protect its citizens abroad. In this case, a true
duty of diplomatic protection arises for the State and for the individual a right to
demand that this obligation be respected. Using the hypothetical deductive method,
this work intends to briefly analyze the content of the domestic provision of the right
to diplomatic protection. We believe that the internal recognition of an individual’s
right to protection abroad, however imperfect, must be treated as relevant to the
creation of international norms.
Keywords: Diplomatic protection; Law; Duty; Domestic provision; Relevant.
Sumário: 1. Introdução; 2. Discricionariedade e Proteção Diplomática;
3. Previsão Doméstica à Proteção Diplomática; 4. Considerações Finais;
5. Bibliografia.
1. Introdução
Esse trabalho utiliza-se do método hipotético dedutivo para investigar a
relevância da previsão doméstica para a criação de uma obrigação internacional
de exercício da proteção diplomática.
Como sabemos, o princípio voluntarista é confirmado pela prática e pela
jurisprudência internacional no sentido de acolher a abstenção do dever do
Estado para agir através da proteção diplomática. Entretanto, o direito interno
pode conter disposições que conferem ao nacional o direito de ser protegido
pelo seu Estado de nacionalidade. Isso significa que o legislador nacional pode
impor ao Estado a obrigação de proteger seu cidadão no estrangeiro, fazendo
nascer para o Estado um verdadeiro dever de proteção diplomática e para o
particular um direito de exigir que tal obrigação seja respeitada.
Assim, passando pelos países do antigo bloco comunista, analisaremos
brevemente o teor do direito de proteção do nacional no estrangeiro na Itália,
na Espanha, na França, na Suíça, no Reino Unido, em Israel, nos Estados
Unidos, na Alemanha e em Portugal. Podemos adiantar, todavia, que um
estudo generalizado das previsões constitucionais e de sua interpretação
revela que o reconhecimento do direito individual à proteção diplomática
pela ordem interna permanece imperfeita até os dias de hoje, apesar de ser um
acontecimento jurídico registrado há bastante tempo.
O maior impacto do direito interno no Direito Internacional no tema da
proteção diplomática parece derivar, contudo, da prática recente dos Estados
que sinaliza para a possibilidade de revisão judicial da recusa ou inação do
executivo em prestar assistência do nacional no exterior.
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Apontamento sobre a relevância de um direito interno de proteção diplomática para (...), p. 7-21
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2. Discricionariedade e Proteção Diplomática
Para o Direito Internacional clássico, a ação do Estado através da proteção
diplomática é absolutamente discricionária. Isso significa que o Estado de
nacionalidade não está obrigado a intervir em favor do cidadão lesado no
estrangeiro. O tipo do dano sofrido pelo cidadão é, a propósito, indiferente
para a decisão do Estado. Na verdade, o Estado pode utilizar de critérios
suplementares autônomos para acordar ou para rejeitar a sua proteção
diplomática, não havendo controle internacional para julgamento da sua
responsabilidade. Assim, a proteção diplomática é recebida pelo ordenamento
Internacional como um direito do Estado sem dever correlato
2
.
Uma parcela da doutrina considera, contudo, que a proteção diplomática
poderia ser, ao mesmo tempo, um direito e uma obrigação do Estado. Segundo
Vattel
, por exemplo, quem maltrata um cidadão ofende indiretamente o Estado,
que deve proteger esse cidadão. Ele explica, que o Estado deve vingar a injúria,
obrigar, se ele pode o agressor a uma inteira reparação do dano ou o punir. Para
Vattel
, além de um direito também haveria uma obrigação inerente ao Estado
de proteger o seu nacional em decorrência de um ilícito internacional
3
.
Em termos gerais, a doutrina clássica do Direito Internacional só utiliza a
primeira parte desse raciocínio, omitindo a frase que estabelece para o Estado
o dever de proteger seu nacional. Deve-se mencionar, entretanto, que a tese de
Vattel
não cria qualquer direito para o estrangeiro em face do seu Estado de
nacionalidade. Pelo contrário, uma injuria cometida contra o nacional de um
determinado Estado é tida como uma violação contra o Estado de nacionalidade
daquele cidadão. Recordamos, que a tese de
Vattel
foi formulada numa época
em que o indivíduo não tinha direito reconhecido pelo Direito Internacional.
Naquele tempo, somente os Estados detinham personalidade jurídica
internacional
4
.
A tese de
Vattel
foi, sem dúvida, um marco decisivo na história das
relações internacionais, apesar de ter deixado sem resposta uma importante
2
D.
anzilotti,
“La Responsabilité Internationale des Etats à Raison des Dommages Soufferts
par des Étrangers”, Revue générale de droit international public, XVIII, 1906, pp.5-7; P.
GuGGenheim
, Traité
de Droit International Public- Avec la mention de la pratique internationale e suisse, Genebra, Librairie de
l´Université. George e C. S.A, I, 1967,pp. 310-31; L.
CaflisCh,
“La Pratique Suisse de la Protection
Diplomatique”, in J. F.
flauss
(dir.), La Protection Diplomatique- Mutations Contemporaines et Pratiques
Nationales, Bruxelles, Bruylant, 2003, pp.76-77.
3
E.
Vattel
, Le Droit des Gens ou Principes de la Loi Naturelle Appliqués a la Conduite et aux Affaires
des Nations et des Souverains, Neuchatel, De L´Imprimeire de la Société Typographique, 2, 1774, p.72.
4
l. Dubouis,
“La Distinction entre le Droit de l´Etat Réclamant et le Droit du Ressortissant dans
la Protection Diplomatique (à propos de l´arrêt rendu par la Cour de cassation le 14 juin 1977)”, Revue
Critique de Droit International Privé, 67, 1978, p. 621; C.F.
amerasinGhe
, Diplomatic Protection, Oxford
University Press, Oxford, 2008, pp.79-80.
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Eduardo Pimentel de Farias
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questão formal: para quem, afinal, o dever de proteção seria devido? Isto é,
se não poderia haver litígio internacional entre o particular e o Estado, como
explicar um dever de proteção do Estado? Talvez pela consciência de que
estava à frente do seu tempo,
Vattel
não arriscou responder a essa pergunta.
Enquanto isso, discussões doutrinárias posteriores dividiram opiniões sobre a
existência e o sentido de uma obrigação de proteção restrita aos Estados.
Segundo
berlia
, a proteção diplomática tende a ser um direito próprio do
indivíduo.
sCelle
entende, contudo, que o governo que desobedece ao exercício
de sua competência de proteção coloca em jogo a responsabilidade objetiva
do Estado ou, eventualmente, a sua própria responsabilidade subjetiva.
bluntsChli
, de forma mais enfática, sustenta que o Estado tem o direito e o
dever de proteger seus nacionais no estrangeiro desde que utilize dos meios
permitidos pelo direito internacional. Já
fauChille
defende que o Estado goza
de um certo poder de apreciação no exercício da proteção de nacionais no
estrangeiro. Para ele, o Estado deve colocar na balança o interesse individual e
o interesse coletivo da nação. O interesse geral deve prevalecer sob o interesse
particular, principalmente se a demanda de reparação pode provocar resistência
a tal ponto, que a paz dos Estados seja posta em risco
5
.
Na opinião de
broCharD
, um dever de proteção diplomática só
poderia ser assimilado a um dever moral, pois não existem meios, no plano
internacional, para assegurar o seu cumprimento. Além disso, é o Estado quem
determina se o prejuízo sofrido por um dos seus nacionais foi suficientemente
grave ou se o interesse político envolvido na questão é, de fato, urgente para
justificar o exercício dos poderes de proteção. Assim, para
borCharD
, o direito
de proteção diplomática poderia ser resumido a um simples privilégio de
pedir proteção ou, ainda, como um direito imperfeito. O direito será sempre
imperfeito quando a sua obrigação correspondente depende do julgamento de
outrem. A proteção diplomática teria, portanto, uma natureza política e não
jurídica. Por outro lado, a responsabilidade pela sua execução diria respeito a
toda nação e não só ao cidadão individualmente
6
.
Este mesmo princípio voluntarista foi confirmado pela prática e pela
jurisprudência internacional, que invariavelmente acolheram a abstenção do
dever e a autonomia do poder de decisão do Estado para agir através da proteção
5
G.
berlia
, “Contribution a L´Etude de la Nature de la Protection Diplomatique”, Annuaire
Francais de Droit International, 3, 1957, p.72; G.
sCelle
, “Régles Générales du Droit de la Paix”,
Recueil des cours de l’Académie de droit international de La Haye, 46, 4, 1933, p.660; M.
bluntsChli
, Le
Droit International Codifié, Paris, Librairie Guillaumin et Cº, 1881, p. 230; P.
fauChille
, Traité de Droit
International Public, Paris, Rousseau e cia Editeurs, I, Primeira Parte, 1922, pp.884-886. Ver também:
L.L.D.
oppenheim,
International Law. A Treatise, Londres, NovaYork, Bombaim, Longman, Green and
Co.,1, 1905, pp. 374-375.
6
E.M.
borCharD
, The Diplomatic Protection of Citizens Abroad or the Law of International Claims,
New York, The Banks Law Publishing, 1915, pp.29-30 e 356.
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diplomática. Nessa matéria, o notório caso Barcelona Traction faz a ilustração
mais precisa sobre o caráter discricionário da proteção diplomática. Para a
Corte Internacional de Justiça (CIJ), o Estado dispõe de um poder discricionário
cujo exercício pode depender de considerações de ordem política, estranhas ao
caso em espécie. A Corte relembra, assim, que um Estado pode exercer a sua
proteção diplomática pelos meios e medidas que julgar apropriado. As pessoas
físicas e jurídicas permanecem, contudo, sem recurso no Direito Internacional
se estimam que seus direitos não foram suficientemente protegidos pelos
respectivos Estados. Para defender sua causa e obter justiça, só restaria aos
sujeitos lesados de facto apelar ao direito interno, caso este lhes ofereça meios
7
.
3. Previsão Doméstica à Proteção Diplomática
O direito interno pode, de fato, conter disposições que conferem ao
nacional o direito de ser protegido pelo seu Estado de nacionalidade. Isto é, o
legislador nacional pode impor ao Estado a obrigação de proteger seu cidadão
no estrangeiro. Neste caso específico, nasce para o Estado um verdadeiro dever
de proteção diplomática e para o particular um direito de exigir que tal obrigação
seja respeitada. Os juízes do caso Barcelona Traction alertaram, contudo, que
tais questões permanecem na alçada do direito nacional e não modificam a
situação do plano internacional. Ou seja, o dever de proteção só poderá ser
questionado através das instâncias judiciais dos respectivos Estados
8
.
Nesse tocante, o primeiro relatório de
DuGarD
sobre a proteção diplomática
menciona um certo número de Estados, notadamente países do antigo bloco
comunista, que reconhecem nas suas disposições constitucionais o direito de
proteção do particular no estrangeiro. Esse é o caso da Albânia, da Bielorrússia,
da Bósnia, da Bulgária, do Camboja, da China, da Croácia, da Estônia, da
Macedônia, da Rússia, da Geórgia, da Hungria, do Cazaquistão, da Letônia,
da Lituânia, da Polônia, da Romênia, do Laos, da Ucrânia e do Vietnam, entre
outros.
DuGarD
alerta, porém, que as disposições constitucionais desses países
são compostas por fórmulas muito vagas. Isto é, que estabelecem pouco mais
do que “o Estado protege direitos legítimos do cidadão no estrangeiro” ou que
“os cidadãos do Estado dispõem de proteção quando residam no estrangeiro”
9
.
7
Acórdão da CIJ de 5.02.1970. Case Concerning the Barcelona Traction, Light and Power
Company, Limited, Belgium v. Spain, p. 44, pesquisável em https://www.icj-cij.org/public/files/case-
related/50/050-19700205-JUD-01-00-EN.pdf, (acedido em 27 de junho de 2022).
8
Acórdão da CIJ de 5.02.1970. Case Concerning the Barcelona Traction, Light and Power
Company, Limited, Belgium v. Spain, p. 44, pesquisável em https://www.icj-cij.org/public/files/case-
related/50/050-19700205-JUD-01-00-EN.pdf, (acedido em 27 de junho de 2022).
9
J. R.
DuGarD
, “Premier rapport sur la protection diplomatique. Doc. A/CN.4/506”, 2000,
p. 24, pesquisável em https://documents-dds-y.un.org/doc/UNDOC/GEN/N00/330/76/PDF/
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Eduardo Pimentel de Farias
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Para
malenoVsky
, as disposições constitucionais dos países da Europa
central e oriental (PECO) foram propositalmente formuladas para não
garantir direitos judiciais. Nenhuma dessas constituições se refere à proteção
diplomática, mas somente à defesa e à assistência do nacional no estrangeiro.
Além disso, salvo exceções, não existem casos de aplicação prática dessas
disposições na história mais recente dos países do antigo bloco comunista. Nos
arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Tcheca, por
exemplo, não se encontra qualquer processo que atesta o exercício da proteção
diplomática
10
.
Já na Itália, um particular poderá se servir do direito interno com
objetivo de estimular a ação diplomática ou mesmo censurar a falta dela. A
constituição italiana não é, todavia, expressa quanto aos mecanismos jurídicos
da ação através da proteção diplomática, mantendo-se a prerrogativa geral
da discricionariedade do poder do Estado para julgar se deve intervir ou não.
ferrari braVo
, a propósito, cita um caso em que a possibilidade de proteção
diplomática foi posta em segundo plano por interesses do Estado italiano de
manter concessões petrolíferas na Líbia. Nesse caso, contudo, os cidadãos
italianos expropriados na Líbia foram indenizados pela própria Itália
11
.
A Constituição da Espanha de 1978 estabelece, propriamente, que o Estado
velará pela salvaguarda dos direitos econômicos e sociais dos trabalhadores
espanhóis no estrangeiro. Pesa, assim, sob a administração pública espanhola
a obrigação de indenizar danos cometidos contra o particular no estrangeiro
em caso de não exercício ou de exercício inadequado da proteção diplomática.
pastor riDruejo
cita, como exemplo, o caso do Supremo Tribunal de 1974. Nesse
caso, o governo espanhol não considerou politicamente oportuno o exercício da
proteção diplomática de um cidadão, que se encontrava na Guiné Equatorial.
Consequentemente, o Supremo Tribunal espanhol concedeu uma indenização
ao cidadão com base no argumento de que a lesão ocorreu em detrimento do
N0033076.pdf?OpenElement, (acedido em 27 de junho de 2022).
10
Para melhor entender situação atual da proteção diplomática nos PECO, deve-se recordar
que até a década de 90 todos os Estados socialistas e democracias populares da época mantinham seu
monopólio sobre o comércio exterior. Qualquer atividade econômica ou comercial de um nacional
no exterior estava repleta de interdições e restrições impostas pela norma interna. De outra maneira,
o fenômeno de emigração era considerado um problema ideológico e político. A relação do Estado
socialista com os emigrantes e exilados era, portanto, hostil. Logo, a proteção dos seus interesses
no estrangeiro era impensável. Cf. J.
malenoVsky
, “La Pratique de la Protection Diplomatique dans
les P.E.C.O., en République Thèque en Particulier”, in J.F.
flauss
(dir.) La Protection Diplomatique-
Mutations contemporaines et pratiques nationales, Bruxelles, Bruylant, 2003, pp 98-100.
11
Cf. L.
ferrari braVo
, “La Pratique Italienne de la Protection Diplomatique”, in J.F.
flauss
(dir.), La Protection Diplomatique-Mutations contemporaines et pratiques nationales, Bruxelles, Bruylant,
2003, pp.88-91. Sobre o tema da proteção diplomática, ver: P.
pustorino
, “Recenti Sviluppi in tema di
Protezione Diplomatica”, Rivista di Diritto Internazionale, 89, Fasc 1, 2006, pp.69-104.
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mau funcionamento dos serviços públicos
12
.
Na França, o direito de proteção diplomática é reconhecido como um
ato de governo. Ou seja, o cidadão francês não tem acesso ao controle de
legalidade da decisão, que ofereceu ou recusou a sua proteção diplomática.
Em contrapartida, existe um controle jurisdicional sobre os atos de reparação
que envolvem indenizações globais. A lei francesa também prevê hipóteses de
concessão direta de indenização às vítimas de perdas materiais no estrangeiro.
Esse é, aliás, o caso do Fundo de Garantia das Vítimas de Atos de Terrorismo
e de outras Infrações (FGTI), organismo francês que tem por missão indenizar
vítimas na França ou em países terceiros
13
.
A prática constitucional suíça, segundo
CaflisCh
, não obriga o exercício
da proteção diplomática. Contudo, o nacional suíço vítima de ato contrário
ao direito internacional tem o direito à restituição ou à indenização pelo dano
sofrido. Além disso, disposições do Regulamento do Serviço Diplomático e
Consular de 1967 reconhecem que, em princípio, as missões consulares suíças têm
o dever de prestar assistência aos seus nacionais. Nesse caso, porém, o nacional
deverá reembolsar à repartição consular de todos os custos despendidos em
seu favor e caso não tenha meios de pagamento, a sua comunidade de origem
deverá garantir as suas despesas. Por outro lado, a partir do momento em que
a Confederação aceita intervir através da proteção diplomática fica impedida
para agir de maneira nociva aos interesses nacionais
14
.
No Reino Unido, estima-se que reunidas as principais condições de
exercício do endosso, quais sejam: a nacionalidade e o esgotamento dos recursos,
o cidadão terá a esperança legítima de se beneficiar da proteção diplomática
da Coroa. Em Israel, a jurisprudência obriga o Governo a proteger nacionais
no país inimigo, apesar de não haver uma disposição legislativa formal que
12
J.
pastor riDruejo
, “La Pratique Espagnole de la Protection Diplomatique”, in J.F.
flauss
(dir.),
La Protection Diplomatique-Mutations contemporaines et pratiques nationales, Bruxelles, Bruylant, 2003,
pp.110-113; Artigo 42º e artigo 106 da Constituição Espanhola, de 27 de dezembro de 1978, pesquisável
em https://iberred.org/pt/legislacion-penal/constituicao-espanhola-de-27-de-dezembro-de-1978
(acedido em 03 27 de junho de 2022). Sobre a prática espanhola em matéria de proteção diplomática,
ver: A.G.
ChueCa sanCho
, El Derecho Internacional Público en la Prática, Egido Universidad, Zaragoza,
1996, pp.154-157.
13
O Fundo de garantia das vítimas de atos de terrorismo e de outras infrações foi criado em 6
julho de 1990 e já indenizou diversas vítimas de atos terroristas cometidas no estrangeiro. Ver: J.P.
puissoChet
, “La Pratique Française de la Protection Diplomatique”. in J.F.
flauss
(dir.) La Protection
Diplomatique- Mutations Contemporaines et Pratiques Nationales, Bruxelles, Bruylant, 2003, pp.116-118.
14
L.
CaflisCh
, “La Pratique Suisse de la Protection Diplomatique”, in J. F.
flauss
(dir.), La
Protection Diplomatique- Mutations Contemporaines et Pratiques Nationales, Bruxelles, Bruylant, 2003,
pp.75-79 e 656-657; “Switzerland”, in E.
lauterpaCht
e J.G.
Collier
(ed.), Individual Rights and the State
in Foreign Affairs: An International Compendium, Nova York, Praeger, 1977, pp.504-508. Ver também o
artigo 184º da Constituição Federal da Confederação Suíça, de 18 de abril de 1999, pesquisável em https://
www.ccisp-newsletter.com/wp_docs/Bundesverfassung_PT.pdf, (acedido em 27 de junho de 2022).
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Eduardo Pimentel de Farias
14 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
imponha ao Estado o dever de proteção diplomática. Nos Estados Unidos, o
Hostage Act de 1868 concede autoridade ao Presidente para intervir todas as
vezes que um cidadão americano for injustamente privado da sua liberdade no
estrangeiro. Cabe ao Presidente norte-americano, porém, empregar os meios
que julgar conveniente para obter ou assegurar a libertação do nacional
15
.
A Lei Fundamental de Bona reconhece a proteção dos direitos fundamentais
do seu nacional no exterior, a que os tribunais chamam de Auslandsschutz.
Essa proteção pode ser exercida por qualquer órgão do Estado e não somente
pelos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Isso significa, a
princípio, que o cidadão alemão deslocado no estrangeiro pode solicitar tanto
a proteção diplomática, como a proteção consular do seu Estado. Recorde-se
que na proteção consular o Estado age preventivamente, enquanto na proteção
diplomática é necessário que um fato ilícito tenha ocorrido
16
.
Uma parte da doutrina germânica e a jurisprudência da Corte Constitucional
Federal alemã admite, contudo, que o direito subjetivo do nacional alemão
seria apenas o de obrigar o Estado a tomar uma decisão sobre o exercício legal
e adequado do seu poder discricionário. Ou seja, a proteção diplomática nem
seria um direito absoluto do indivíduo, nem um dever vinculado do Estado.
Ela seria, na verdade, um dever de exercício discricionário do Estado. Isso
quer dizer que o Estado alemão é livre para decidir sobre o exercício do seu
dever de proteção diplomática, levando-se em conta os interesses políticos e
a conveniência das suas relações externas. A violação do dever de proteção
diplomática só poderia ser contestada, portanto, se a decisão de agir ou de não
agir tivesse tido fundamento em razões arbitrárias
17
.
15
C.
WarbriCk
, “Protection of Nationals Abroad”, International and Comparative Law Quarterly,
37, Parte 4, 1988, pp.1006-1010; Diplomatic Representations and Diplomatic Protection”, International
and Comparative Law Quarterly, 51, Parte 3, 2002, pp.724-727; Y.
blum
, “Israel”, in E.
lauterpaCht e
J.G.
Collier
(ed.), Individual Rights and the State in Foreign Affairs: An International Compendium, New
York, Praeger, 1977,p.314. Sobre o princípio da aplicação do Hostage Act de 27 de julho de 1868,
ver: H. G.
piper
, “Executive Power under the Hostage Act: New Life for an Old Law”, Cornell
International Law Journal, 14, 2, 1981, pp. 369-403; J. M.
younG
, “Toture and Inhumane Punishment of
United States Citizens in Saudi Arabia and the United States Government’s Failure to Act”, Hastings
International Comparative Law Review, 16, 1993, p.663 ss; K.
huGhes
, “Hostages’ Rights: The Unhappy
Legal Predicament of an American Held in Foreign Captivity”, Columbia Journal of Law and Social
Problems, 26, 4, 1993, p.555 ss.
16
Em alemão, Auslandsschutz significa proteção internacional. Ver: G.
ress
, “La Pratique
Allemande de la Protection Diplomatique”, in J.
flauss
(dir.) La Protection Diplomatique-Mutations
Contemporaines et Pratiques Nationales, Bruxelles, Bruylant, 2003, p.132. Para uma descrição da tradição
constitucional alemã a respeito da proteção diplomática, ver: W. K.
GeCk
, “Diplomatic Protection”,
in R.
bernharDt
(ed), Encyclopaedia of Public International Law, 1, Amsterdam, North Holland, 1992,
p.1052.
17
Cf.
ress,
“La Pratique Allemande de la Protection Diplomatique”, in J.
flauss
(dir.) La Protection
Diplomatique-Mutations Contemporaines et Pratiques Nationales, Bruxelles, Bruylant, 2003, pp.134-138; F.
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Apontamento sobre a relevância de um direito interno de proteção diplomática para (...), p. 7-21
Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022) 15
Por essa razão,
GeorG ress
compara o direito constitucional de proteção
diplomática alemão a um nudum iuris. E acrescenta que devido à grande escala
do poder discricionário das autoridades alemãs quase não se veem ações
jurisdicionais com resultado positivo para forçar a atuação concreta e específica
da proteção diplomática ou mesmo para pedir a reparação do Estado em face
da sua omissão
18
.
Em termos mais concretos, a Constituição portuguesa de 1976 assegura a
proteção do Estado para o exercício dos direitos do nacional que se encontre
ou resida no estrangeiro. O cidadão português dispõe, assim, de um direito
fundamental à proteção diplomática.
fausto De QuaDros
revela, porém, que o
legislador constituinte não tinha a consciência de que se referia ao instituto da
proteção diplomática quando tratou da proteção de portugueses no estrangeiro.
Na verdade, segundo o autor, a expressão “proteção diplomática” não foi sequer
utilizada nos trabalhos preparatórios do preceito, cuja discussão na Comissão
Eventual de Revisão Constitucional foi considerada estéril e politizada
19
.
Com efeito, a redação daquele preceito constitucional é bastante ampla
e conduz o Estado a um compromisso acrescido em face do seu nacional. Isto
é, tomando-se unicamente por base a letra do preceito, pode-se afirmar que
Portugal tem um dever de proteção diplomática latu sensu. Segundo
ConDorelli
,
o conceito de proteção diplomática latu sensu inclui tanto a noção de proteção
diplomática tradicional ou stricto sensu, quanto o que ele chama de proteção
diplomática preventiva
20
.
Também caberia ao nacional português a possibilidade de recorrer aos
tribunais internos para responsabilizar o Estado pela renúncia à indenização
QuaDros
, A Proteção da Propriedade Privada pelo Direito Internacional Público, Coimbra, Almedina, 1998,
p. 411. Ver também, E.
klein
, “Anspruch auf diplomatischen Schutz?”, in G.
ress
e T.
stein
(Org.), Der
diplomatische Schutz im Völker- und Europarecht: Aktuelle Probleme und Entwicklungstendenzen, Baden-
Baden, Nomos-Verlag, 1996, p.134 ss;
18
ress,
“La Pratique Allemande de la Protection Diplomatique”, in J.
flauss
(dir.) La Protection
Diplomatique-Mutations Contemporaines et Pratiques Nationales, Bruxelles, Bruylant, 2003, pp.150-151.
Para uma breve explanação sobre história da Constituição alemã desde o seu lançamento em Bona,
ver: V.
moreira
, “50 Anos da Lei Fundamental Alemã”, Revista Jurídica da Presidência. I, 2, junho de
1999, pesquisável em https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/1024,
(acedido em 27 de junho de 2022).
19
A Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976 estabelece no seu artigo 14
que:“Os cidadãos portugueses que se encontrem ou residam no estrangeiro gozam da protecção
do Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis
com a ausência do país”. Constituição da República Portuguesa, de 2 de abril de 1976, pesquisável em
htps://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx (acedido
em 27 de junho de 2022);
QuaDros
, A Proteção da Propriedade Privada pelo Direito Internacional Público,
Coimbra, Almedina, 1998, p. 411.
20
Cf. L.
ConDorelli
, “La Protection Diplomatique et l´Evolution de son Domaine d´Application
Actuelle”, Rivista di Diritto Internazionale, 86, 1, 2003, pp.7-8.
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16 Lusíada. Direito • 27/28 (1.º e 2.º semestre de 2022)
que tinha direito, pela negociação de uma indenização inferior à devida, como
pode acontecer num acordo lump sum, ou por não se ter observado a diligência
necessária medida pelo critério do homem prudente. Dessa forma, o nacional
português poderia interpor uma ação de responsabilidade civil extracontratual
contra o Estado para reclamar sobre a indenização, sobre a falta de diligência
ou mesmo sobre a omissão no dever constitucional da proteção diplomática. A
Constituição portuguesa assegura, por certo, que os particulares lesados nos
seus direitos e interesses por ato da Administração sempre poderão interpor
um recurso contencioso. O Provedor de Justiça também poderá apreciar queixas
de cidadãos em razão de atos e omissões do poder público e encaminhará aos
órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenção e reparação
de injustiças
21
.
Na verdade, a maioria dos países oferece recursos aos tribunais nacionais
para garantir a transferência de indenizações recebidas pelo Estado através da
proteção diplomática e para controlar as reparações. São mais raras, porém,
as ações judiciais sobre o direito do indivíduo de se beneficiar da proteção
diplomática ou sobre a obrigação do Estado de conceder tal proteção.
22
Segundo
tou
, o reconhecimento do direito individual à proteção
diplomática pela ordem interna não é um acontecimento jurídico recente,
apesar da sua qualificação subjetiva permanecer imperfeita até os dias de hoje.
Se comparamos as diferentes disposições constitucionais em vigor podemos
confirmar a relatividade da previsão doméstica da proteção diplomática, que
se manifesta principalmente nas regras constitucionais que têm por princípio
recordar a prerrogativa do Estado para proteger o seu nacional. Essas disposições
constitucionais estimam reafirmar a competência do Estado sem anunciar
qualquer direito ou obrigação de ação através da proteção diplomática. Isso se
verifica com mais frequência, aliás, quando a inscrição da regra de proteção é
feita nas disposições gerais, que tratam da competência e dos meios de ação do
Estado em matéria de relações exteriores
23
.
21
QuaDros
, A Proteção da Propriedade Privada pelo Direito Internacional Público, Coimbra,
Almedina, 1998, pp. 409-414; R.M.G.
moura ramos
, “La Protection des Droits Fondamentaux au
Portugal”, Das Comunidades à União Européia- Estudos de Direito Comunitário, Coimbra, Coimbra
Editora, 2º ed., 1999, p.203.
22
M.
bennouna
, “Rapport préliminaire sur la protection diplomatique. Doc. A/CN.4/484”,
1998, p. 8, pesquisável em https://legal.un.org/ilc//sessions/50/docs.shtml (acedido em 27 de
junho de 2022). Sobre o tema, ver: G. Perrin, “Réflexions sur la Protection Diplomatique”, Mélanges
Marciel Bridel, Lausanne, Imprimeires Réunies, 1968, pp.395-396; R. L. Bindschedler. “La protection
de la propriété privée en droit international public”, Recueil des cours de l’Académie de droit international
de La Haye, 90, 1956, pp. 228-244.
23
S.
touzé
, La Protection des Droits des Nationaux a l´Etranger-Recherches sur la Protection
Diplomatique, Paris, Pedone, 2007, pp.271-274.
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Apontamento sobre a relevância de um direito interno de proteção diplomática para (...), p. 7-21
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Nesses casos, a proteção diplomática é reconhecida como um instrumento,
entre tantos, ao alcance do Estado para conduzir a sua política externa e não
como uma obrigação de proteção do nacional deslocado. A Constituição
taiwanesa de 1947 é um exemplo particular desse modelo. No seu artigo
141º, ela estabelece o dever de proteger os direitos e interesses de cidadãos
chineses residentes no exterior em meio às prioridades da política estrangeira
da República da China (Taiwan)
24
.
Em outros casos, porém, o texto constitucional que estabelece a proteção
do nacional no estrangeiro se insere na parte consagrada aos direitos da
nacionalidade. O direito de proteção do nacional no estrangeiro é, assim,
posto em paralelo com o direito de não ser extraditado, de poder entrar no seu
Estado de origem ou de não perder a sua nacionalidade. A inclusão do direito
de proteção entre os predicados reconhecidos aos indivíduos em razão da sua
nacionalidade não revela, contudo, um direito específico de ação diplomática.
Aliás, a afirmação da proteção enquanto benefício da nacionalidade é um artifício
redundante, pois a nacionalidade é uma das condições que habilita o Estado a
agir em favor de uma pessoa privada no estrangeiro. A regra constitucional
que emprega a proteção do cidadão no estrangeiro como prolongamento dos
direitos da nacionalidade serve, efetivamente, para distinguir o direito dos
nacionais do direito dos estrangeiros que vivem em seu território
25
.
4. Considerações Finais
Como se denota, um estudo generalizado das previsões constitucionais
e de sua interpretação revela que os Estados não conferem direitos subjetivos
à proteção do nacional no exterior, mas apenas prerrogativas que dependem
de considerações políticas e de oportunidades das relações diplomáticas em
24
O artigo 141º da Constituição de 1947: “A política externa da República Popular da China
deve ser concebida num espírito de independência e autossuficiência e com base nos princípios da
igualdade e reciprocidade para promover relações amistosas com outras nações e respeitar os tratados
e da Carta das Nações Unidas, de modo a proteger os direitos e interesses dos cidadãos chineses
residentes no estrangeiro, promover a cooperação internacional, promover a justiça internacional,
e garantir a paz mundial”. Constituição da República da China, de 25 de dezembro de 1947 (Taiwan),
pesquisável em https://law.moj.gov.tw/ENG/LawClass/LawAll.aspx?pcode=A0000001 (acedido
em 27 de junho de 2022de 2021).
25
Para uma análise minuciosa da regra da nacionalidade na proteção diplomática, ver: P.
M.
blaser
. La Nationalité et la Protection Juridique Internationale de L´Individu, Lausanne, Nouvelle
Bibliothèque de Droit et de Jurisprudence, 1962, p.13 ss. Cumpre esclarecer, que apesar da proteção
diplomática ter sido introduzida no acervo do Direito Europeu pelo Tratado de Maastricht, em 1992,
optaremos por manter esse estudo restrito à relação específica entre o Direito Interno e o Direito
Internacional.
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causa. Isto quer dizer que o indivíduo pode requerer a sua proteção, mas nada
indica que se trate de um direito capaz de obrigar o Estado nacional a protegê-
lo. Por essa razão, talvez, uma parte da doutrina ainda destaca a irrelevância
da previsão doméstica para a criação de uma obrigação internacional de
exercício da proteção diplomática. Aliás, os juízes do caso Barcelona Traction
mencionaram expressamente que as questões remanescentes do direito interno
não afetam a situação do plano internacional.
Cumpre mencionar, todavia, que doutrina que defende a irrelevância da
previsão doméstica na criação de normas internacionais se apoia numa tese
superada. Nós partilhamos da opinião contrária, cuja distinção entre as ordens
interna e internacional não consegue ser justificada. Consideramos que haveria
conclusões autônomas e passíveis de aplicação em ambos os níveis do direito.
Por isso, a previsão doméstica do direito individual à proteção do cidadão no
estrangeiro, ainda que imperfeita, deve ser considerada como muito relevante
para o estabelecimento de um direito/dever internacional de proteção
diplomática.
Recordamos que o processo de humanização do Direito Internacional
passa pelo fortalecimento e ascensão da consciência jurídica universal como
fundamento do Direito Internacional. Nesse aspecto, o direito interno de
proteção diplomática presta-se como um vigoroso instrumento de revelação da
consciência jurídica universal, do qual deriva todo o Direito, especialmente o
Direito Humano Internacional.
O maior impacto do direito interno no tema da proteção diplomática
deriva, porém, da prática recente dos Estados que sinaliza para a possibilidade
de revisão judicial da recusa ou inação do executivo em prestar assistência do
nacional no exterior. Assim, sem esquecer as implicações políticas de cada caso
e as possibilidades de que dispõe o governo, a jurisprudência nacional vem
exigindo um padrão mínimo, ainda que indefinido, de ação do Estado para
proteção do nacional no exterior. Ou seja, independentemente de uma previsão
legal expressa e clara, vários tribunais nacionais têm entendido que o governo
pode ser responsabilizado em matéria de proteção diplomática.
Entre os casos mais relevantes em que tribunais de diferentes sistemas
legais foram chamados a decidir sobre um direito/dever de exercício da
proteção diplomática, interessa citar: o caso Rudolf Hess, na Alemanha; Abbasi,
no Reino Unido; Kaunda, na África do Sul e, mais recentemente, Couso, na
Espanha. Nesse último caso, a propósito, a Audiência Nacional espanhola
concedeu uma indenização em favor dos sucessores do Sr. Couso, considerando
que o princípio da igualdade perante os encargos públicos assegura que os
particulares não tem a obrigação de suportar individualmente a política
exterior empreendida pelo Estado em favor do conjunto ou da generalidade
dos cidadãos. E que na ausência de previsões legais específicas da obrigação
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Apontamento sobre a relevância de um direito interno de proteção diplomática para (...), p. 7-21
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do Estado de exercer a proteção diplomática esta obrigação poderá nascer da
necessidade de tronar efetivos os valores e princípios constitucionais
26
.
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